De acordo com a sociologia do conhecimento (isto é, aquele ramo da sociologia da cultura que afirma, como ponto de partida, que as maneiras de pensar e conhecer dependem, de algum modo, da realidade social em que se oferecem, ou seja, dos grupos sociais a que pertencem os indivíduos), a influência do meio social — estrutura e organização da sociedade — revela-se na seleção dos problemas do pensamento humano, no modo de colocá-los e solucioná-los. Isto levou Karl Mannheim a afirmar que, por um lado, há processos sociais que dirigem, até certo ponto, o processo do conhecimento; e, por outro lado, esses processos sociais são visíveis através da estruturação histórica da sociedade: pela obra conhece-se o tempo em que foi possível criá-la.
Assim, o pensamento deve ser estudado não como se apresenta nos tratados especulativos mas em seu funcionamento efetivo na vida humana, como instrumento de ação coletiva. Isto porque não só estamos condicionados pelos acontecimentos que ocorrem em nosso mundo e à nossa volta como, ao mesmo tempo, somos um instrumento para lhes dar forma e, portanto, só se torna plenamente compreensível quando encarado em face da conexão existente entre o ser e o conhecer. Daí, vinculadas as formas de conhecimento ao ser social — porquanto deste promanam elas — o desenvolvimento do pensamento depende da realidade social e não de uma dialética puramente imanente. Ou seja: o conhecimento não tem existência autônoma, não nasce nem se desenvolve num campo intelectual autônomo no homem, mas se ajusta intimamente à situação total tanto do indivíduo como, particularmente, do povo e das classes sociais.
Com efeito, como reconhece Max Scheller, a realidade social "abre ou fecha as comportas" da corrente espiritual, elege ou torna possível, num momento dado, a floração de uma determinada forma de saber. Esta verificação reitera a afirmativa de que o conhecimento está ligado à existência material, e a atitude intelectual depende da condição social do grupo a que pertence o indivíduo, cabendo sua análise, sob este aspecto, à sociologia do conhecimento que, como teoria, procura investigar as relações entre conhecimento e existência e, como pesquisa histórico-sociológica, busca a origem das formas que essas relações têm assumido no desenvolvimento intelectual da humanidade, sendo sua tese fundamental a existência de modos de pensamento incapazes de ser adequadamente compreendidos enquanto permanecerem obscuras as suas origens sociais.
Claro está que não há a menor dúvida de que só o indivíduo é capaz de pensar e conhecer, pois não existe essa entidade abstrata denominada ‘espírito grupai’, que pensa e conhece acima das cabeças dos indivíduos, ou cujas ideias estes se limitam a reproduzir. Mas nem por isso se deve concluir que todas as ideias e sentimentos que motivam o comportamento de um indivíduo tenham exclusivamente nele suas origens e possam ser adequadamente explicadas apenas à luz de sua própria experiência. Ao contrário, é preciso compreender o pensamento dentro da moldura concreta de uma situação histórico-social, de que o pensamento individualmente diferenciado emerge gradualmente. Assim, não são os homens em geral que pensam, nem mesmo os indivíduos isolados, mas os homens dentro de certos grupos que elaboram um estilo peculiar de pensamento graças a uma série interminável de reações a certas situações típicas, características de sua posição comum.
Por isso adverte Karl Mannheim que, estritamente falando, é incorreto dizer que o indivíduo isolado pense. Mais correto é afirmar que ele participa do processo levando avante o que os outros pensaram antes dele. Encontra-se dentro de uma situação herdada, com padrões de pensamento a ela apropriados, ou procura aperfeiçoar mais ainda os modos de reação herdados, ou substituí-los por outros, para enfrentar com armas mais adequadas as novas dificuldades provenientes das variações e mudanças da situação. Cada indivíduo é, portanto, num duplo sentido, predeterminado pelo fato de se ter criado dentro de uma sociedade: por um lado, já encontra uma situação definida e, por outro, encontra, dentro dessa situação, padrões de comportamento e de pensamento estabelecidos.
Deste modo, a história do pensamento não se confina nos livros, pois deriva sua principal significação das experiências da vida cotidiana e, mesmo as mudanças principais nas avaliações de diferentes esferas da realidade, tal como se apresentam na filosofia, reportam-se, em última instância, aos valores cambiantes do mundo cotidiano. Assim, é possível ver claramente que existem diferenças nos modos de conhecimento, não só em diferentes períodos históricos como em diferentes culturas, como se pode verificar no fato de que não só o conteúdo do pensamento muda como também sua estrutura categorial, isto é, no passado como no presente os modos dominantes de pensamento são suplantados por novas categorias quando a base social do grupo, de que são características essas formas de pensamento, se desintegra ou se transforma sob a pressão da mudança social.
Esta teoria da determinação social ou existencial do pensamento efetivo, em face de casos concretos, torna patente que toda formulação de um problema só é possibilitada por uma experiência humana prévia e efetiva que envolve esse problema; que na seleção dos dados múltiplos está implicado um ato voluntário por parte do sujeito cognoscente; e que as forças surgidas da experiência vivida influem na direção que seguirá o tratamento do problema. Quer isto dizer que as forças vivas e as atitudes reais em que se alicerçam as atitudes teóricas não são, de maneira alguma, de natureza individual, isto é, não têm origem na tomada de consciência de seus interesses, por parte do indivíduo, durante o processo do pensamento. Nascem, antes, dos propósitos coletivos de um grupo que estão subjacentes ao pensamento individual e de cujo ponto de vista prescrito por ele se limita a participar. Nessa conexão torna-se claro que grande parte do pensamento e do conhecimento não pode ser compreendida de maneira adequada enquanto não forem levadas em consideração as suas relações com a existência ou com as inferências sociais da vida humana.
Assim sendo, a presença da realidade social na gênese do conhecer se manifesta, antes de tudo, no próprio ato da formulação do problema do qual ela deriva, já que este problema não se apresenta no vácuo mas ligado a uma circunstância concreta, a uma peculiar situação vital; depois, na escolha dos materiais, aspectos ou fenômenos, que se acreditam importantes para a solução do problema, o qual depende de um ato de vontade, de um querer, que alimenta uma vida; e, finalmente, porque no modo de desenvolver o problema vão envolvidas determinadas tendências e interesses vitais. Ora, a vida que impulsiona o ato voluntário e que complica a consideração do problema, não é puramente a individual, mas a coletiva, do grupo em que participa, com mais ou menos intensidade, o indivíduo que pensa. Por isso, atrás do ato cognoscitivo individual está gravitando nele, com força maior ou menor, a existência de um grupo com todos seus desejos, interesses e escopos. Consequentemente, a focalização especial de seu pensar está orientada para os problemas desse grupo e que são, afinal de contas, no dizer de Ortega y Gasset, os problemas de sua vida. [LWVita]