Parece, sem dúvida, que, em nossa rotina cotidiana, estamos presos sempre apenas a este ou àquele ente, como se estivéssemos perdidos neste ou naquele domínio do ente. Mas, por mais disperso que possa parecer o cotidiano, ele retém, mesmo que vagamente, o ente numa unidade de “totalidade”. Mesmo então e justamente então, quando não estamos propriamente ocupados com as coisas e com nós mesmos, sobrevém-nos este “em totalidade”, por exemplo, no tédio propriamente dito. Este tédio ainda está muito longe de nossa experiência quando nos entedia exclusivamente este livro ou aquele espetáculo, aquela ocupação ou este ócio. Ele desabrocha se “a gente está entediado”. O profundo tédio, que como névoa silenciosa desliza para cá e para lá nos abismos da existência, nivela todas as coisas, os homens e a gente mesmo com elas, numa estranha indiferença. Esse tédio manifesta o ente em sua totalidade. (MHeidegger – QUE É METAFÍSICA?)
O ser-aí humano – ente situado em meio ao ente, mantendo uma relação com o ente – existe, de mais a mais, de maneira tal que o ente sempre esteja revelado em sua totalidade. A totalidade não precisa ser propriamente captada nisso, sua “pertença” ao ser-aí pode estar velada, a amplitude deste todo é mutável. A totalidade é entendida, sem que também o todo do ente revelado tenha sido captado ou mesmo “exaustivamente” investigado em suas conexões específicas, regiões e estratos. A compreensão desta totalidade, que é sempre antecipadora e abarcadora, é, porém, ultrapassagem com relação ao mundo. É preciso buscar agora uma interpretação mais concreta do fenômeno do mundo. Ela resultará da resposta destas duas questões: 1. Qual é o caráter fundamental desta totalidade caracterizada? 2. Em que medida esta caracterização do mundo possibilita uma clarificação da essência da relação existencial (Daseinsbezug) com o mundo, quer dizer, uma clarificação da possibilidade intenda do ser-no-mundo (transcendência)? (MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO)
Quem diz objetividade diz totalidade, e isso em todos os planos: as doutrinas esotéricas chegam à totalidade na medida em que atingem a objetividade; é precisamente a totalidade que diferencia a doutrina de um Shankara da de um Ramanuja. Por um lado, a verdade parcial ou indireta pode salvar e, sob esse aspecto, pode bastar-nos; por outro lado, se Deus julgou conveniente conceder-nos uma compreensão que ultrapassa o mínimo necessário, nada podemos fazer e não ficaria bem nos queixarmos. Certamente, o homem tem liberdade para não admitir tais evidências — e lhe acontece de assim proceder por ignorância ou comodidade —, mas o mínimo que se pode dizer é que nada o obriga a isso.
Além disso, a diferença entre as duas perspectivas a que nos referimos não está apenas na maneira de considerar um determinado objeto, mas encontra-se também nos objetos considerados; isto é, não falando apenas de modo diferente de uma mesma coisa, fala-se também de coisas diferentes, o que constitui a própria evidência.
Entretanto, se, por um lado, o mundo da gnose e o da crença são distintos, por outro, e de um ponto de vista diferente, encontram-se e até se interpenetram. Talvez nos digam que determinada opinião nossa não tem nada de especificamente esotérico ou gnóstico; concordamos plenamente e somos os primeiros a reconhecê-lo. É evidente que essas duas perspectivas podem ou devem coincidir em muitos pontos, em diferentes níveis, visto a verdade subjacente ser una e também o homem ser uno. (Schuon EPV)