poesia e pensamento

Dichten und Denken

Para nós, no entanto, ainda não está decidido se somos capazes de fazer, de forma apropriada, uma experiência poética com a linguagem (v. fazer uma experiência coma linguagem). Estamos sempre no perigo de sobrecarregar um poema com excesso de pensamento e assim impedir que o poético nos toque. Um perigo ainda maior — hoje dificilmente assumido — é o de pensar de menos, de resistir ao pensamento de que a experiência em sentido próprio da linguagem só pode ser uma experiência de pensamento, de que a grandeza poética de toda poesia sempre vibra num pensamento. Mas se em jogo está uma experiência pensante com a linguagem, por que fazer referência a uma experiência poética? Porque o pensamento segue seu caminho na vizinhança da poesia. Por isso, é bom pensar no vizinho, naquele que habita a mesma proximidade. Ambos, poesia e pensamento, precisam um do outro ao extremo, precisam de cada um em sua vizinhança. Qual o campo em que essa vizinhança tem seu âmbito próprio, isso a poesia e o pensamento terão de definir cada um a seu modo, não obstante ambos se encontrarem no mesmo âmbito. Como há séculos nos alimentamos do preconceito de que o pensamento é coisa da ratio, ou seja, do cálculo em sentido amplo, falar sobre a vizinhança de pensamento e poesia parece sempre muito suspeito.

O pensamento não é nenhum meio para o conhecimento. O pensamento abre sulcos no agro do ser. Por volta do ano de 1875, Nietzsche escreve (WW XI, 20) o seguinte: “Nosso pensamento deve ter o cheiro forte de um trigal numa noite de verão”. Quantos ainda possuem olfato para esse cheiro? (GA12)


Mas se fala tanto de poesia e pensamento! Essa expressão já se tornou até fórmula vazia e monótona. É possível, porém, que o “e”, presente na expressão “poesia e pensamento”, receba seu sentido pleno e sua determinação se admitirmos que esse “e” possa significar a vizinhança (Nachbarschaft) de poesia e pensamento. (GA12)


O discurso (Rede) sobre a vizinhança entre poesia e pensamento diz, portanto, que um habita diante do outro, que um se instalou frente ao outro, que um se voltou para a proximidade do outro. Essa referência ao que caracteriza a vizinhança fala por imagens. Será que dizemos com isso algo pertinente à nossa questão? O que significa “falar por imagens” (bildliche Redeweise)? Ouvindo essa pergunta logo corremos para obter uma resposta sem nos darmos conta de que não é possível pretender uma forma segura enquanto não determinarmos o que é discurso e imagem, se e em que medida a linguagem fala por imagens. Mas deixemos tudo isso em aberto. Guardemos apenas o mais urgente que é buscar a vizinhança de poesia e pensamento: esse encontro face a face de um e de outro. (GA12)


…é correto representar a vizinhança (Nachbarschaft) como um relacionamento (Beziehung). Essa representação corresponde à vizinhança entre poesia e pensamento. Todavia essa representação (Vorstellung) não nos diz se a poesia se volta para a vizinhança do pensamento, se o pensamento se volta para a vizinhança da poesia ou se ambos se voltam para a vizinhança entre um e outro. Tanto a poesia como o pensamento movimentam-se no elemento do dizer. Pensando a poesia, já nos vemos no mesmo elemento em que se movimenta o pensamento. Aqui não é possível decidir se a poesia é propriamente um pensamento ou se o pensamento é propriamente poesia. Fica obscuro o que determina a sua relação mais própria e a partir de onde isso que chamamos sem hesitar de próprio surge propriamente. No entanto, qualquer que seja o modo em que nos vem à mente poesia e pensamento, um mesmo elemento já sempre está a nos alimentar, quer lhe prestemos atenção ou não. Esse elemento é a saga do dizer (Sagen). (GA12)