palavra

Wort

É no pensamento do ser que a libertação do homem para a ek-sistência, libertação que funda a história, alcança a sua palavra. A palavra não é, em primeiro lugar, a “expressão” de uma opinião, mas é constantemente já a articulação protetora da verdade do ente em sua totalidade. O número daqueles que entendem esta palavra pouco importa. A qualidade dos que podem prestar atenção a ela decide da posição do homem na história. Mas, neste mesmo momento da história do mundo em que começa a filosofia, começa também a dominação expressa do senso comum (da sofística). (MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO)


Nenhuma coisa é onde falha a palavra, essa que nomeia a coisa. O que significa “nomear” (nennen)? Podemos responder assim: nomear é aparelhar alguma coisa com um nome. E o que é um nome (Name)? Uma designação que confere a alguma coisa um signo fonético ou gráfico, que lhe confere uma cifra (Chiffre). E o que é um signo (Zeichen)? Um sinal (Signal)? Uma insígnia (Signum)? Uma marca (Merkmal)? Um aceno (Wink)? Ou tudo isso e mais alguma coisa? Tornamo-nos por demais negligentes e calculadores na compreensão (Verständnis) e uso (Gebrauch) de signos.

Será o nome, será a palavra um signo? Tudo depende de como pensamos o que dizem as palavras “signo” e “nome”. Com essas esparsas considerações já podemos perceber em que correnteza nos lançamos quando a linguagem (Sprache) como linguagem vem à linguagem. (GA12)


O poeta (Dichter) aprendeu a renunciar. Ele fez uma experiência (Erfahrung). Com o quê? Com a coisa (Ding) e seu relacionamento com a palavra (Beziehung zum Wort). Mas o título do poema (de Stefan George) é somente: a palavra. O poeta fez a experiência propriamente dita com a palavra e, na verdade, com a palavra à medida que esta abriu mão de um relacionamento com a coisa. Pensando-se com maior clareza: o poeta fez a experiência de que é a palavra que deixa aparecer e vigorar uma coisa como a coisa que ela é. Para o poeta, a palavra se diz como aquilo a que uma coisa se atém e contém em seu ser. O poeta faz a experiência de um poder, de uma dignidade da palavra, que não consegue ser pensada de maneira mais vasta e elevada. A palavra é, ao mesmo tempo, aquele bem a que o poeta se confia e entrega, como poeta, de modo extraordinário. O poeta faz a experiência do ofício de poeta como uma vocação para a palavra, assumida como fonte e borda do ser. A renúncia que o poeta aprende é do tipo de uma abnegação plena, à qual somente se prenuncia o que de há muito se vela e propriamente já sempre se consente.

O poeta deveria então ficar cheio de júbilo com uma tal experiência, pois essa lhe oferece o que de mais alegre um poeta pode receber. O poema diz, no entanto: “triste assim eu aprendi a renunciar”. Isso significa que o poeta encontra-se prostrado frente à renúncia, abatido por uma perda. Mas renunciar — como se mostrou — não é perder. O “triste” também não se refere à renúncia, mas ao aprendizado da renúncia. Tristeza não é abatimento e nem depressão. Em sentido próprio, a tristeza articula-se no relacionamento com a máxima alegria; quando a alegria se retrai, torna-se hesitante e se resguarda na retração. Aprendendo a renúncia assim nomeada, o poeta faz a experiência do poder mais elevado da palavra. Ele capta a mensagem arcaica do que cabe à saga poética do dizer enquanto sua tarefa mais elevada e permanente, não obstante usurpada. O poeta jamais saberia fazer essa experiência com a palavra se não estivesse afinado pela tristeza, pelo tom da quietude (die Stimmung der Gelassenheit) de estar próximo ao que se retrai e assim se reserva para um anúncio inaugural. (GA12)


VIDE vak

Se a origem da fala e, por conseguinte, das línguas se perde na noite dos tempos, a psicologia, as lendas tradicionais e a etimologia podem, por várias razões, fornecer-nos alguma luz sobre a mecânica de seu simbolismo.

A psicologia do homem falante é sempre acessível em estado nascente, ainda que a partir de nós mesmos. J.- B. Vico e G. Humboldt, que trataram da questão, julgavam, segundo a sua própria experiência de escritores em busca de termos capazes de expressar o seu pensamento, que anteriormente a toda articulação verbal existia uma força interior, uma pulsão onde enxergavam a fonte de todas as metáforas e que era a forma arcaica e embrionária da teoria do gesto.

Convém analisar o mecanismo cuja intuição manifestava esse pressentimento, e ele nos instruirá sobre a maneira pela qual a palavra, sob o estímulo do que chamamos ideia, apresenta-se ao nosso espírito. Consideremos a ideia de árvore e perguntemo-nos como foi ela formulada. Os primitivos só se preocupavam com seres e coisas no meio dos quais viviam, na medida em que isso dizia respeito às suas necessidades. Os jardineiros da pré-história distinguiam perfeitamente o freixo, a bétula, o carvalho e o pinheiro, pois utilizavam para diferentes finalidades sua madeira, sua casca, sua semente e suas folhas. Uma palavra precisa correspondia a cada liso particular, sem que ninguém houvesse experimentado a necessidade de reunir todas as essências arborícolas na abstração de um só vocábulo.

Só depois de um lapso de tempo provavelmente bastante longo, os inovadores, menos comprometidos num trabalho especializado, mais sensíveis talvez ao aspecto estético da floresta, conceberam a ideia geral da árvore em si. Como lhes teria ela surgido? E por que a confusão da parte dos homens de outras profissões? Teria sido ela inspirada na própria expansão dos troncos, o desabrochar confuso das frondes, ou pelo conjunto dessas semelhanças?

Ajudando-nos a responder essas questões, tentemos captar a impressão que desperta em nós, como deve ter atuado sobre nossos antepassados a elevada estatura de um carvalho e, além dessa imagem isolada, a de toda uma antiga floresta. Alguma coisa de mais íntimo, de mais intenso, de mais geral nos impressiona de chofre, um poder irresistível de ereção, uma tensão vital inesgotável e subjacente, que acreditamos sentir em nós por simpatia. Isso explicaria que no indo-europeu a raiz “dreu”, firme e vigoroso, tenha podido dar em grego os nomes do carvalho, da árvore, do homem fiel. “Assim como a árvore, rainha da floresta, assim é o homem”, dizem os Upanixades. (em português, a analogia é prejudicada pelo fato de ser árvore uma palavra feminina, enquanto no original a ereção do masculino “arbre” é mais concebível… Pensemos no tronco da árvore e transformemos o contexto. N.T.)

Nicole já havia notado que um espectador de fora é por dentro um ator secreto. Esse ator das origens, que primeiro reuniu na mesma sílaba “dreu” a ideia de carvalho, do gênio da floresta e do homem íntegro, mostra-nos que as palavras não têm valor fixo e exclusivo, mas satisfazem a um emprego. O criador da palavra procede como um caricaturista, que só retira das aparências múltiplas de seu modelo um único traço, suficientemente original, para tipificá-lo, mas o faz de maneira bastante genérica para que ele seja sentido e interpretado por todo o mundo. Se o gesto é bem escolhido, será tão revelador quanto um teste, e os psicólogos aí descobrirão a síntese de um caráter, a assinatura movente e comovente de um tipo do qual poderá tornar-se o símbolo.

Começamos a compreender aquilo que Humboldt entendia por sua misteriosa pulsão original. É o preâmbulo do gesto, o início de uma mímica inconsciente que nossos músculos delineiam e que emprestamos às coisas, quando na realidade foram elas que nos sugeriram o seu movimento. A palavra simbólica, que reúne essas duas noções contagiosas, representa o papel de um verbo. Com ele nós encontramos o aspecto mais elementar dessa história do gesto, na qual René Guénon enxergava a verdadeira chave do simbolismo.

Encarada na sua concepção mais vasta, a teoria do gesto postula a reintegração da continuidade em todos os níveis de um mundo que a física quântica apresenta como dominado pelo descontínuo. Restabelece um laço de solidariedade virtual entre estados separados, sobretudo quando o gesto inicial se transforma em ritmo pela sua própria repetição. Pois a atividade, imediata por definição, produz seus efeitos de maneira sucessiva e só escapa ao provisório graças ao ritmo, que comanda os gestos, os ritos e os símbolos.

identidade, nos diz Guénon, entre o símbolo e o rito. Não apenas porque o rito é um símbolo realizado no tempo, mas porque, em contrapartida, o símbolo gráfico a fixação de um gesto ritual. A palavra representa um exemplo bem mais puro, se lembrarmos que toda fala ritual é geralmente pronunciada por uma personagem consagrada, cuja qualificação não depende de sua individualidade, mas de sua função, o que define igualmente, como já vimos, o trabalho do ator e o papel da palavra. (Benoist)