A lógica, no sentido clássico é a ciência das leis do pensamento; no sentido moderno: ciência das formas do discurso. — A lógica tem sido apresentada como a arte de “bem conduzir sua razão no conhecimento das coisas, tanto para instruir-se a si próprio quanto para instruir os outros” (Lógica de Port-Royal). A lógica é, essencialmente, a ciência formal das formas de conceitos, de juízos e de raciocínios. Essa interpretação da lógica remonta a Aristóteles (384-322 a. C.), cujo Organon expõe os princípios e os eternos elementos da lógica formal (teorias do silogismo, da dedução, da indução): o elemento mais simples da lógica é a ideia ou conceito; este se define do ponto de vista de sua extensão e compreensão. A compreensão é o conjunto das qualidades que caracterizam o objeto do conceito; a extensão, o conjunto dos seres que têm a mesma qualidade. Por exemplo, o conceito de “cão” é o de um animal que se pode descrever com grande precisão; possui um grande número de qualidades particulares (uma grande “compreensão”). O de “vertebrado” é muito mais geral (possui uma “extensão” maior), mas permanece mais vago: ‘assim, a compreensão está em razão inversa da extensão. O juízo se define como uma relação entre dois conceitos; o raciocínio, como uma relação entre dois ou vários juízos. Tais são os três elementos principais da lógica formal. Kant fundou a lógica transcendental ou material, que é o estudo do pensamento aplicado ao real, encarnando-se nos “métodos” das ciências matemáticas ou físicas. Atualmente, a lógica formal une-se às matemáticas e é denominada logística. (Larousse)
Seu objeto é o pensamento, considerado não como propriedade ou atividade de sujeitos existentes (sob este aspecto, o pensamento é objeto da psicologia), mas enquanto traduz as relações dos conteúdos mentais como tais, susceptíveis de serem pensados identicamente por muitos. Por isso, é errôneo considerar a lógica uma parte da psicologia, como pretende o psicologismo. Os conteúdos mentais podem ser investigados em si, segundo sua estrutura interna (como conceitos, juízos e raciocínios) e suas recíprocas e necessárias relações (leis lógicas), o que é tarefa da lógica pura ou formal, ou seja, da lógica propriamente dita, ou segundo sua relação ao objeto e sua função representativa, tarefa esta às vezes atribuída a uma lógica “real” ou “material”. Neste caso, melhor a denominaríamos crítica do conhecimento ou epistemologia (teoria do conhecimento). A lógica formal ou lógica em sentido estrito atende somente à retidão, isto é, à legimitidade lógica do pensamento (leis do pensamento); a epistemologia ocupa-se da correspondência com o objeto, ou seja, a verdade; e a metodologia atende à invenção desta. O núcleo da lógica formal é a doutrina do raciocínio. Juízos e conceitos adquirem sua importância em lógica principalmente como elementos do raciocínio. A lógica é essencialmente uma ciência teorética, embora inclua também aplicações práticas, como, p. ex., as regras de uma boa definição. O homem é, por natureza, apto para pensar retamente (lógica natural); mas precisa da lógica científica, principalmente quando se trata de pôr à prova seu pensament0 em casos difíceis ou controversos.
A lógica foi frequentemente dividida em três partes principais: a doutrina do conceito (e de sua expressão oral: o termo), do juízo (e de sua expressão oral: a proposição) e do raciocínio. Já Aristóteles, o fundador da lógica científica, na teoria do raciocínio preconiza também uma doutrina da ciência e do método em geral. Os modernos, via de regra, constituem com esta doutrina, uma quarta parte na qual tratam da doutrina da indução, da formação dos conceitos das ciências naturais e das ciências do espírito, etc. Muitas destas questões pertencem já à lógica material. — A lógica transcendental de Kant é uma espécie peculiar de critica do conhecimento (criticismo). Como, segundo Hegel, o conteúdo do pensamento e o objeto coincidem, a lógica é, consequentemente, para ele, ao mesmo tempo ontologia (idealismo alemão). — Muitos distinguem entre lógica clássica (= não-logística) e lógica moderna (logística). — Brugger.
Vamos falar da lógica de um modo geral, expondo as diversas concepções definidas acerca da sua tarefa própria; este esboço histórico concluirá com uma discussão sistemática sobre o problema da natureza da lógica.
São necessárias duas advertências:
1) Incluem-se na lógica certos tipos de pensamento, com a lógica dialéctica, lógica histórica, lógica concreta, etc, que muitos autores não consideram pertencer à lógica estrita.
2) Alguns autores distinguem entre lógica e logística como se designassem dois tipos completamente diferentes de lógica. O termo lógica designa, para nós, um conjunto muito amplo de investigações que compreende igualmente a lógica tradicional e a lógica nova ou logística.
HISTÓRIA DA LÓGICA: Segundo alguns autores, a história da lógica apresenta três períodos de grande desenvolvimento: de Aristóteles ao estoicismo; na idade média nos séculos doze, treze, catorze e parte do século quinze; a época contemporânea.
Apesar de haver na tradição grega consideráveis elementos há que chegar a Aristóteles para que estes se harmonizem e alcancem plena maturidade. Além de um doutrina silogística muito completa e de vários trabalhos de lógica indutiva, encontramos em Aristóteles várias teorias metodológicas, ou a discussão a fundo dos chamados princípios lógicas e outras análises de noções lógicas fundamentais como a de oposição e a dos predicáveis…. Durante muito tempo, pensou-se inclusive que a lógica aristotélica era simplesmente a lógica. Aristóteles oscilou entre duas ideias acerca da índole da lógica. Por um lado, concebeu-a como introdução a qualquer investigação científica, filosófica ou pertencente à linguagem vulgar; por isso a lógica não é uma parte da filosofia mas, em suma, um átrio de entrada para a filosofia. Por outro lado, a lógica aparece como a análise dos princípios segundo os quais a realidade se encontra articulada; em alguns casos, a lógica de Aristóteles parece seguir o traçado de uma ontologia.
A lógica dos estoicos é principalmente uma lógica das proposições. Da lógica formal aristotélica passou-se, por diversas gradações, para uma lógica formalista; certos raciocínios que, em Aristóteles, aparecem como silogísticos são entendidos pelos estoicos como regras de inferência válidas.
Mesmo quando, em muitos casos, os estoicos conceberam a lógica como aquela parte da filosofia destinada a apoiar a solidez dos seus ideais éticos, a lógica constituiu um dos campos onde surgiram contributos mais originais.. Os estoicos esclareceram também questões semânticas a que nos referiremos no artigo paradoxos.
A partir do século doze e até ao século quinze, deu-se um novo florescimento da lógica, e o inventário dos contributos desta época à lógica está ainda em formação. Deve destacar-se que a lógica medieval propõe novos campos de estudo. sobre os termos sincategoremáticos, sobre as propriedades dos termos, sobre os insolúveis, sobre a obrigação e sobre as consequências. Devem juntar-se-lhe os inúmeros estudos de filosofia da linguagem especialmente através da gramática especulativa :… Quanto á ideia da lógica defendida pelos escolásticos medievais, muitos concordam em que a lógica é uma “ciência de julgar corretamente”, mas dividiram-se na interpretação desta opinião: uns entenderam-na como designando um processo que conduz ao conhecimento verdadeiro; outros, como um processo que permite obter raciocínios corretos ou formalmente válidos. Esta segunda interpretação acentua o formalismo…
Muitos filósofos modernos interessaram-se menos pela lógica do que pelo estudo dos métodos da ciência natural. De qualquer modo, fizeram-se esforços para desenvolver a lógica como um cálculo e houve também tentativas para constituir uma lógica estreitamente ligada à epistemologia. A figura principal da primeira das citadas tentativas é Leibniz. Este limitou-se não só a assentar as bases de uma “caraterística universal”, mas também a tocar muitos dos pontos desenvolvidos pela posterior lógica simbólica, mas o caráter fragmentário da sua obra e as suas finalidades filosóficas gerais impediram-no de levar a cabo um a trabalho completo em qualquer das muitas vias encetadas. Além do mais, a ideia da formalização da lógica estava estreitamente ligada, em Leibniz, à ideia de que os princípios lógicos são simultaneamente princípios ontológicos.
Em Kant, a lógica parece assumir um aspecto formal igualmente afastado da ontologia e da psicologia. É Kant quem procura estabelecer uma lógica ao mesmo tempo determinada pela epistemologia e fundamento da epistemologia.
Com o fim de dar maior informação sobre as tendências lógicas na última metade do século dezanove e a parte decorrida deste século, dever-se-ia ampliar o quadro até limites que a presente obra não consente. Limitar-nos-emos a uma rápida enumeração das mesmas.
1) A lógica empírica ou da indução supõe que os objetos de que trata são o resultado de generalizações empíricas efetuadas sobre o real por meio de uma abstração. Esta lógica converte-se cada vez mais numa metodologia do conhecimento científico. O seu representante mais caraterístico é John Stuart Mill.
2) Para a corrente psicologista, os princípios lógicos são pensamentos e a lógica revela-nos a estrutura objetiva dos mesmos.
3) A corrente normativista propõe que a lógica responda à seguinte pergunta: “como devemos pensar para que o nosso pensamento seja correto?”
4) A lógica metodológica cultiva de preferência os problemas centrados em torno do modo do raciocínio científico.
5) A lógica gnoseológica afirma que a lógica não é senão uma teoria do conhecimento. Não podem apresentar-se normas que não signifiquem algo; e como o significado é o conhecimento, resulta que as formas da lógica são formas do conhecimento..
6) A lógica metafísica entende que o correlato das operações lógicas é uma realidade metafísica ou considerada como tal. O grande exemplo deste tipo de lógica é a lógica dialéctica de Hegel.
7) A lógica fenomenológica defende que o objeto da lógica é o objeto ideal, que não se pode reduzir nem a uma forma inteiramente vazia nem tão pouco a uma essência de índole metafísica. O objeto ideal é o objeto pensado, isto é, o conteúdo intencional do pensamento. O representante mais conhecido da corrente é Husserl.
8) A lógica novo ou logística é a corrente que vai adquirindo o primado sobre todas as outras. Introduziu uma profunda revolução fundando a matemática na lógica e contribuindo com análises fundamentais sobre a designação e a e a significação; introduziu a importante distinção entre a menção e o uso dos signos; propôs uma nova definição do número, etc. Os Principia Matematica de Whitehead e Russell constituem um dos grandes marcos na história da logística moderna, porque constituíram uma nova fundamentação da matemática. Seria impossível ao menos o resumo das diferentes lógicas que desde então surgiram. Cabe, contudo, destacar que os trabalhos de logística suscitaram muitas vezes questões de caráter geral filosófico, e assim se deu um novo sentido às questões ontológicas.
NATUREZA DA LÓGICA: Como qualquer ciência, a lógica apresenta-se sob a forma de uma linguagem. Esta linguagem é, como a de todas as ciências, de tipo cognoscitivo. Além disso, como qualquer linguagem, a da lógica tem um determinado vocabulário. Ora, enquanto o vocabulário da ciência compreende as expressões que se referem a fatos e expressões que não se referem a fatos, o vocabulário da lógica abrange só estas últimas expressões. A lógica tem como objeto os termos do vocabulário lógico, os quais se organizam em determinadas estruturas. Quando as estruturas são verdadeiras obtêm-se verdades lógicas. Por isso se diz que o enunciado é logicamente verdadeiro quando o é unicamente devido à sua estrutura ou à sua forma. na lógica usual, há não só termos lógicos, estruturas lógicas e verdades lógicas, mas também enunciados acerca deles. Estes enunciados fazem parte de uma disciplina: a metalógica. Tanto a lógica como a metalógica são disciplinas formais e têm caráter dedutivo. Aquilo a que se chamou por lógica indutiva usa também a dedução como método. De qualquer modo, pode distinguir-se entre ambas sempre que se entenda que se fala mais de grupos de problemas do que de certas formas de operação lógica. Outra questão consiste em saber se as linguagens lógicas são informativas. Alguns autores declararam que a lógica é integralmente composta por enunciados tautológicos e que o seu caráter de completa certeza se deve certamente à vacuidade desses enunciados. (Ferrater)
É da natureza do homem dirigir-se pela razão. Porém, esta faculdade não exerce seu poder de direção apenas sobre atividades que lhe sejam exteriores e dependam de outras potências, tais como a vontade ou a sensibilidade. Ela dirige igualmente os seus próprios atos e, nesta ação de dirigir como nas outras, ela é ajudada por uma técnica especial: a arte racional ou Lógica, que a torna apta a realizar sua tarefa com êxito. De uma maneira geral, pode-se definir esta arte com S. Tomás: “a arte que dirige o próprio ato da razão, quer dizer, que nos faz proceder, neste ato, com ordem, com facilidade e, sem erros”. “ars… directiva ipsius actus rationis; per quam scilicet homo in ipso actu rationis ordinate et faciliter et sine errore procedat”. Poster. Analít. I, L 1, n 1
Porém a atividade racional, objeto da lógica, interessa a outras partes da filosofia. Se, por exemplo, eu vier a concluir que a alma é imortal porque, não sendo composta ela é incorruptível, eu toquei em uma questão metafísica, a da imortalidade da alma, coloquei um fato de consciência do qual a psicologia poderá reivindicar a análise, e, ao mesmo tempo, utilizei as leis lógicas do raciocínio. Estes três pontos de vista formalmente distintos se encontram em toda e qualquer atividade do espírito. É, portanto, indispensável definir a lógica com mais precisão a fim de distinguí-la da metafísica e sobretudo da psicologia, com as quais facilmente se é levado a confundi-la.
A definição é aquilo que nos manifesta a essência ou a natureza de uma coisa, o que ela é: quid est. Nos seres da natureza, a definição designa principalmente a forma, que é o princípio de determinação. A definição das potências e das disposições que se relacionam com seu exercício (tecnicamente, os “habitus”) se depreende a partir do objeto, que representa, na circunstância, um papel análogo ao da forma para as substâncias materiais. Diz-se que as potências e suas disposições operativas são especificadas por seus objetos, como os seres da natureza o são por sua forma: potentiae vel habitus specificantur ab objecto. A vista é assim especificada pela côr, a inteligência pelo ser, o habitus matemático pelo ser quantificado. Isto se deve ao fato de que, potências e habitus não são, em sua própria essência senão tendências, e uma tendência não tem significação a não ser pelo fim ou pelo objeto para o qual é orientada.
Em filosofia escolástica, distingue-se o objeto material e o objeto formal. O objeto material é constituido pela realidade total que se encontra em face da potência ou do habitus: as coisas visíveis, por exemplo, para a vista. O objeto formal é o ponto de vista preciso que é visado pela potência ou pelo habitus: o colorido no exemplo precedente. Só o objeto formal pode servir de princípio de especificação, uma vez que, uma mesma realidade material pode ser considerada sob vários pontos de vista diferentes: o nariz achatado por exemplo, sob seu aspecto físico ou segundo sua curva geométrica.
Se a lógica pois, é uma disposição dessa potência operativa que é a inteligência, e portanto um habitus, definir-se-á, como as realidades de sua ordem, ou seja, por seu objeto. E, consequentemente, é por esse objeto que ela se distinguirá das outras disciplinas.
O objeto formal da lógica é o ser de razão lógico ou as segundas intenções.
Vamos explicar, logo de início, o que se deve entender por ser de razão. S. Tomás (Metaf., IV, 1. 4, n. 547) distingue duas modalidades essenciais do ser da natureza, ou o ser real, e o ser de razão. O ser real é aquêle que existe ou pode existir independentemente de qualquer consideração do espírito. O mundo que me rodeia, com todas as suas possibilidades efetivas de transformação, pertence à realidade do ser que, pense-se ou não se pense nela, existe. O ser de razão é aquêle que, apesar de estar representado à maneira de um ser real, não pode existir independentemente do pensamento que o concebe. Por exemplo, as privações, as negações e um certo número de relações. O número negativo, o gênero animal não existem, como tais, senão na inteligência que os representa. Os escolásticos distinguem ainda o ser de razão fundamentado na realidade, cum fundamento in re, do ser de razão não fundamentado na realidade, sine fundamento in re. O primeiro, embora não exista verdadeiramente senão no espírito, tem um fundamento objetivo; o segundo seria pura construção subjetiva. O ser de razão se divide em negações e relações. Essa divisão é essencial e necessária, pois o ser de razão só pode ser ou alguma coisa que, por natureza, se oponha à realidade, ou então esta categoria mais exterior e, portanto, mais independente da substância que é a relação.
O ser de razão lógico pertence a esta última categoria da relação de razão. Ele designa o objeto de nosso pensamento considerado no entrelaçamento de relações que ele recebe no espírito, pelo fato de ser ele concebido pelo próprio espírito. Se, por exemplo, eu formo os conceitos de “homem” ou de “animal”, êstes conceitos, considerados em sua universalidade, não existem como tais na realidade. Da mesma forma, se eu pronuncio este julgamento: “o homem é um animal”, o têrmo “homem” em sua função de sujeito, e o têrmo “animal” considerado com predicado, não têm evidentemente realidade senão no espírito que julga. Observe-se todavia, que eles não são sem fundamento na realidade uma vez que correspondem a uma ordem real das naturezas e dos indivíduos.
Percebe-se melhor, agora, como o ponto de vista próprio da lógica se distingue do da metafísica e do da psicologia. Como o metafísico, ou o físico, o lógico está voltado para o objeto do conhecimento, porém não o estuda em sua natureza ou em suas propriedades: ele o considera somente segundo a ordem das relações que se situam na vida racional. Como o psicólogo, o lógico observa a atividade do espírito, mas enquanto aquêle se detém no aspecto subjetivo do pensamento ou em sua qualidade física, este não retém senão a ordem Qbjetiva engendrada por seu próprio funcionamento: ordo quem ratio considerando facit in proprio actu, diz S. Tomás.
Poder-se-á dizer, na terminologia escolástica, que a psicologia considera de início o conceito formal, quer dizer a ideia enquanto atividade do espírito, a metafísica ou a física o conceito objetivo em seu conteúdo de realidade positiva, enquanto que a lógica considera igualmente o conceito objetivo, porém enquanto ele é organizado pelo pensamento. Assim, no exemplo proposto acima, da demonstração da imortalidade da alma, o metafísico se interessará pela relação de natureza que se associa à incorruptibilidade e, portanto, à imortalidade da alma; o psicólogo pelos atos da inteligência; o lógico pelas condições formais do concatenamento dos três conceitos de alma, considerada como sujeito, de imortalidade, considerada como predicado, e de incorruptibilidade, em sua função de termo médio.
Para concluir, diremos, firmados nas explicações precedentes, que a metafísica considera o objeto pensado, a psicologia o pensamento do objeto, e a lógica o objeto do pensamento.
O objeto da lógica também é frequentemente caracterizado pela expressão de segundas intenções. Que devemos entender por isto? As primeiras intenções designam ‘nossos conceitos considerados em sua relação imediata com a realidade, ou em sua aptidão para representá-la; correspondem ao olhar direto do espírito sobre as coisas. Por segundas intenções, deve-se entender êstes mesmos conceitos nas relações objetivas que eles recebem pelo fato de serem pensados. O conceito de “homem”, por exemplo, considerado como primeira intenção, exprime a realidade mesma da natureza humana; a título de segunda intenção, ele designa esta natureza humana no estatuto de ideia universal de que ela se revestiu no espírito. A filosofia da realidade se detém nas primeiras intenções, enquanto que a lógica vai às segundas intenções que não são outra coisa senão o ser de razão lógica.
A lógica como ciência e arte.
Já é tradição fazer a seguinte pergunta: a lógica é uma ciência ou uma arte? Para Aristóteles, a ciência é o conhecimento desinteressado pelas causas, cognitio per causas; e a arte, o conhecimento enquanto regula a atividade exterior, recta rabo factibilium. Não se pode certamente recusar à lógica o título de ciência, uma vez que ela pretende explicar pelas causas, e mesmo pelas causas as mais elevadas; o silogismo, por exemplo, pode ser justificado por redução aos primeiros princípios da vida do espírito. A lógica nos leva, portanto, a um conhecimento científico das atividades racionais. Entretanto, a lógica é também, e mesmo de preferência, uma arte, porque ela é preceptiva e pretende regular a atividade do espírito. S. Tomás, que reconhecia à lógica as prerrogativas e o título de ciência, rationalis scientia, a vê de preferência em sua função de arte, considerando-a mesmo a arte por excelência, dirigindo as outras artes: ais artium. A denominação de Organon ou de instrumento, que prevaleceu para designar o corpo dos escritos lógicos de Aristóteles, está dentro do sentido desta interpretação. A lógica aparece portanto, em definitivo, em peripatetismo, mais como uma introdução à filosofia, como uma propedêutica do que como uma de suas partes integrantes. Tudo o que acabamos de dizer se deduz claramente deste texto do Comentário de S. Tomás sobre os Segundos Analíticos (I, 1. I, nºs 1-2) do qual já citamos um fragmento:
“…É necessário que exista uma certa arte que dirija o próprio ato da razão, graças à qual o homem possa proceder neste ato com ordem, facilidade e sem erro. Trata-se da arte lógica ou ciência racional. A qual é racional não somente no sentido em que ela é conforme à razão, o que é comum a todas as artes, mas também pelo fato de que ela se relaciona ao próprio ato da razão como à sua matéria própria. Eis porque, nos dirigindo no ato da razão, de onde as artes procedem, ela parece ser a arte das artes.”
” … ars quaedam necessaria est, quae sit directiva ipsius actus rationis; per quam scilicet homo in ipso actu rationis ordinate et faciliter et sine errore procedat. Et haec est ars logica, id est rationalis scientia. Quae non solum rationalis est ex hoc quod est secundum rationem, quod est omnibus artibus commune; sed etiam ex hoc quod est circa ipsum actum rationis sicut circa propriam materiam. Et ideo videtur esse ars artium; quia in actu rationis nos dirigit, a quo ommes artes procedunt.” (Gardeil)
É da natureza do homem dirigir-se pela razão. Porém, esta faculdade não exerce seu poder de direção apenas sobre atividades que lhe sejam exteriores e dependam de outras potências, tais como a vontade ou a sensibilidade. Ela dirige igualmente os seus próprios atos e, nesta ação de dirigir como nas outras, ela é ajudada por uma técnica especial: a arte racional ou Lógica, que a torna apta a realizar sua tarefa com êxito. De uma maneira geral, pode-se definir esta arte com S. Tomás: “a arte que dirige o próprio ato da razão, quer dizer, que nos faz proceder, neste ato, com ordem, com facilidade e, sem erros”. “ars… directiva ipsius actus rationis; per quam scilicet homo in ipso actu rationis ordinate et faciliter et sine errore procedat”. Poster. Analít. I, L 1, n 1
Porém a atividade racional, objeto da lógica, interessa a outras partes da filosofia. Se, por exemplo, eu vier a concluir que a alma é imortal porque, não sendo composta ela é incorruptível, eu toquei em uma questão metafísica, a da imortalidade da alma, coloquei um fato de consciência do qual a psicologia poderá reivindicar a análise, e, ao mesmo tempo, utilizei as leis lógicas do raciocínio. Estes três pontos de vista formalmente distintos se encontram em toda e qualquer atividade do espírito. É, portanto, indispensável definir a lógica com mais precisão a fim de distinguí-la da metafísica e sobretudo da psicologia, com as quais facilmente se é levado a confundi-la.
A definição é aquilo que nos manifesta a essência ou a natureza de uma coisa, o que ela é: quid est. Nos seres da natureza, a definição designa principalmente a forma, que é o princípio de determinação. A definição das potências e das disposições que se relacionam com seu exercício (tecnicamente, os “habitus”) se depreende a partir do objeto, que representa, na circunstância, um papel análogo ao da forma para as substâncias materiais. Diz-se que as potências e suas disposições operativas são especificadas por seus objetos, como os seres da natureza o são por sua forma: potentiae vel habitus specificantur ab objecto. A vista é assim especificada pela côr, a inteligência pelo ser, o habitus matemático pelo ser quantificado. Isto se deve ao fato de que, potências e habitus não são, em sua própria essência senão tendências, e uma tendência não tem significação a não ser pelo fim ou pelo objeto para o qual é orientada.
Em filosofia escolástica, distingue-se o objeto material e o objeto formal. O objeto material é constituido pela realidade total que se encontra em face da potência ou do habitus: as coisas visíveis, por exemplo, para a vista. O objeto formal é o ponto de vista preciso que é visado pela potência ou pelo habitus: o colorido no exemplo precedente. Só o objeto formal pode servir de princípio de especificação, uma vez que, uma mesma realidade material pode ser considerada sob vários pontos de vista diferentes: o nariz achatado por exemplo, sob seu aspecto físico ou segundo sua curva geométrica.
Se a lógica pois, é uma disposição dessa potência operativa que é a inteligência, e portanto um habitus, definir-se-á, como as realidades de sua ordem, ou seja, por seu objeto. E, consequentemente, é por esse objeto que ela se distinguirá das outras disciplinas.
O objeto formal da lógica é o ser de razão lógico ou as segundas intenções.
Vamos explicar, logo de início, o que se deve entender por ser de razão. S. Tomás (Metaf., IV, 1. 4, n. 547) distingue duas modalidades essenciais do ser da natureza, ou o ser real, e o ser de razão. O ser real é aquêle que existe ou pode existir independentemente de qualquer consideração do espírito. O mundo que me rodeia, com todas as suas possibilidades efetivas de transformação, pertence à realidade do ser que, pense-se ou não se pense nela, existe. O ser de razão é aquêle que, apesar de estar representado à maneira de um ser real, não pode existir independentemente do pensamento que o concebe. Por exemplo, as privações, as negações e um certo número de relações. O número negativo, o gênero animal não existem, como tais, senão na inteligência que os representa. Os escolásticos distinguem ainda o ser de razão fundamentado na realidade, cum fundamento in re, do ser de razão não fundamentado na realidade, sine fundamento in re. O primeiro, embora não exista verdadeiramente senão no espírito, tem um fundamento objetivo; o segundo seria pura construção subjetiva. O ser de razão se divide em negações e relações. Essa divisão é essencial e necessária, pois o ser de razão só pode ser ou alguma coisa que, por natureza, se oponha à realidade, ou então esta categoria mais exterior e, portanto, mais independente da substância que é a relação.
O ser de razão lógico pertence a esta última categoria da relação de razão. Ele designa o objeto de nosso pensamento considerado no entrelaçamento de relações que ele recebe no espírito, pelo fato de ser ele concebido pelo próprio espírito. Se, por exemplo, eu formo os conceitos de “homem” ou de “animal”, êstes conceitos, considerados em sua universalidade, não existem como tais na realidade. Da mesma forma, se eu pronuncio este julgamento: “o homem é um animal”, o têrmo “homem” em sua função de sujeito, e o têrmo “animal” considerado com predicado, não têm evidentemente realidade senão no espírito que julga. Observe-se todavia, que eles não são sem fundamento na realidade uma vez que correspondem a uma ordem real das naturezas e dos indivíduos.
Percebe-se melhor, agora, como o ponto de vista próprio da lógica se distingue do da metafísica e do da psicologia. Como o metafísico, ou o físico, o lógico está voltado para o objeto do conhecimento, porém não o estuda em sua natureza ou em suas propriedades: ele o considera somente segundo a ordem das relações que se situam na vida racional. Como o psicólogo, o lógico observa a atividade do espírito, mas enquanto aquêle se detém no aspecto subjetivo do pensamento ou em sua qualidade física, este não retém senão a ordem Qbjetiva engendrada por seu próprio funcionamento: ordo quem ratio considerando facit in proprio actu, diz S. Tomás.
Poder-se-á dizer, na terminologia escolástica, que a psicologia considera de início o conceito formal, quer dizer a ideia enquanto atividade do espírito, a metafísica ou a física o conceito objetivo em seu conteúdo de realidade positiva, enquanto que a lógica considera igualmente o conceito objetivo, porém enquanto ele é organizado pelo pensamento. Assim, no exemplo proposto acima, da demonstração da imortalidade da alma, o metafísico se interessará pela relação de natureza que se associa à incorruptibilidade e, portanto, à imortalidade da alma; o psicólogo pelos atos da inteligência; o lógico pelas condições formais do concatenamento dos três conceitos de alma, considerada como sujeito, de imortalidade, considerada como predicado, e de incorruptibilidade, em sua função de termo médio.
Para concluir, diremos, firmados nas explicações precedentes, que a metafísica considera o objeto pensado, a psicologia o pensamento do objeto, e a lógica o objeto do pensamento.
O objeto da lógica também é frequentemente caracterizado pela expressão de segundas intenções. Que devemos entender por isto? As primeiras intenções designam ‘nossos conceitos considerados em sua relação imediata com a realidade, ou em sua aptidão para representá-la; correspondem ao olhar direto do espírito sobre as coisas. Por segundas intenções, deve-se entender êstes mesmos conceitos nas relações objetivas que eles recebem pelo fato de serem pensados. O conceito de “homem”, por exemplo, considerado como primeira intenção, exprime a realidade mesma da natureza humana; a título de segunda intenção, ele designa esta natureza humana no estatuto de ideia universal de que ela se revestiu no espírito. A filosofia da realidade se detém nas primeiras intenções, enquanto que a lógica vai às segundas intenções que não são outra coisa senão o ser de razão lógica.
A lógica como ciência e arte.
Já é tradição fazer a seguinte pergunta: a lógica é uma ciência ou uma arte? Para Aristóteles, a ciência é o conhecimento desinteressado pelas causas, cognitio per causas; e a arte, o conhecimento enquanto regula a atividade exterior, recta rabo factibilium. Não se pode certamente recusar à lógica o título de ciência, uma vez que ela pretende explicar pelas causas, e mesmo pelas causas as mais elevadas; o silogismo, por exemplo, pode ser justificado por redução aos primeiros princípios da vida do espírito. A lógica nos leva, portanto, a um conhecimento científico das atividades racionais. Entretanto, a lógica é também, e mesmo de preferência, uma arte, porque ela é preceptiva e pretende regular a atividade do espírito. S. Tomás, que reconhecia à lógica as prerrogativas e o título de ciência, rationalis scientia, a vê de preferência em sua função de arte, considerando-a mesmo a arte por excelência, dirigindo as outras artes: ais artium. A denominação de Organon ou de instrumento, que prevaleceu para designar o corpo dos escritos lógicos de Aristóteles, está dentro do sentido desta interpretação. A lógica aparece portanto, em definitivo, em peripatetismo, mais como uma introdução à filosofia, como uma propedêutica do que como uma de suas partes integrantes. Tudo o que acabamos de dizer se deduz claramente deste texto do Comentário de S. Tomás sobre os Segundos Analíticos (I, 1. I, nºs 1-2) do qual já citamos um fragmento:
“…É necessário que exista uma certa arte que dirija o próprio ato da razão, graças à qual o homem possa proceder neste ato com ordem, facilidade e sem erro. Trata-se da arte lógica ou ciência racional. A qual é racional não somente no sentido em que ela é conforme à razão, o que é comum a todas as artes, mas também pelo fato de que ela se relaciona ao próprio ato da razão como à sua matéria própria. Eis porque, nos dirigindo no ato da razão, de onde as artes procedem, ela parece ser a arte das artes.”
” … ars quaedam necessaria est, quae sit directiva ipsius actus rationis; per quam scilicet homo in ipso actu rationis ordinate et faciliter et sine errore procedat. Et haec est ars logica, id est rationalis scientia. Quae non solum rationalis est ex hoc quod est secundum rationem, quod est omnibus artibus commune; sed etiam ex hoc quod est circa ipsum actum rationis sicut circa propriam materiam. Et ideo videtur esse ars artium; quia in actu rationis nos dirigit, a quo ommes artes procedunt.” (Gardeil)