guerra

As “guerras mundiais” e sua “totalidade” já são consequência de se deixar o ser. Elas forçam o asseguramento de uma forma contínua e consistente de abuso. O homem também se acha incluído nesse processo, não podendo mais esconder seu caráter de matéria-prima mais importante. O homem é a “matéria-prima mais importante” porque permanece o sujeito de todo e qualquer uso e abuso. Isso é de tal modo que, nesse processo, deixa sua vontade emergir incondicionalmente, tornando-se, desse modo, o “objeto” desse deixar o ser. As guerras mundiais constituem a forma preparatória da marginalização da diferença entre guerra e paz; essa marginalização é necessária para que o “mundo” se torne um sem-mundo (Umwelt) em consequência de um deixar os entes por uma verdade do ser. (…) Alteradas em des-vio de essência, “guerra” e “paz” são absorvidas pela errância, desaparecendo no simples curso do fazer potenciador das atividades à medida que se tornam irreconhecíveis em sua diferença. A pergunta – quando haverá paz? – não pode ser respondida. Não porque não se possa prever a duração da guerra, mas porque a pergunta se faz sobre alguma coisa que não mais existe. A guerra não é mais aquilo que pode chegar à paz. A guerra tornou-se uma aberração do uso e abuso dos entes, que progride na paz e em paz. Contar com uma guerra de longa duração é somente uma forma antiquada em que se reconhece a novidade da era do abuso. Longa em sua duração, essa guerra não se encaminha lentamente para uma paz como nos tempos antigos, mas sim para uma situação em que não mais se faz a experiência da guerra como tal e também tudo o que se refere à paz tornou-se sem sentido e inconsistente. (Superação da Metafísica, EC)


A guerra, enquanto dirigida contra aqueles que perturbam a ordem e com o objetivo de reconduzi-los a essa ordem, constitui uma função legítima, que no fundo é um dos aspectos da função de “justiça”, entendida esta em sua acepção mais geral. No entanto, esse é o seu lado mais exterior, portanto o menos essencial. Do ponto de vista tradicional, o que dá todo valor à guerra compreendida dessa forma, é o fato de ela simbolizar a luta que o homem deve conduzir contra os inimigos que traz em si próprio, isto é, contra todos os elementos que, nele, são contrários à ordem e à unidade. Nos dois casos, porém, quer se trate da ordem exterior e social ou da ordem superior e espiritual, a guerra deve sempre tender a estabelecer o equilíbrio e a harmonia (é por isso que ela se refere de modo especial à “justiça”) e, assim, a unificar de certo modo a multiplicidade de elementos em oposição entre si. Isso quer dizer que o seu fim normal, e sem dúvida sua única razão de ser, é a paz (es-salam), que só pode ser verdadeiramente obtida pela submissão à vontade divina (el-islam), colocando cada elemento em seu lugar com a finalidade de fazê-los todos concorrerem para a realização consciente de um mesmo plano. E vale a pena observar o quanto, na língua árabe, os termos el-islam e es-salam têm estreito parentesco entre si. (Guénon)