existência

Existenz
existence
existence
existentia

O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre a cada vez meu. Em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser. Como um ente deste ser, a pre-sença se entrega à responsabilidade de assumir seu próprio ser. O ser é o que neste ente está sempre em jogo. Desta caracterização da pre-sença resultam duas coisas:

1. A “essência” deste ente está em ter de ser. A qüididade (essentia) deste ente, na medida em que se possa falar dela, há de ser concebida a partir de seu ser (existência). Neste propósito, é tarefa ontológica mostrar que, se escolhemos a palavra existência para designar o ser deste ente, esta não tem nem pode ter o significado ontológico do termo tradicional existentia. Para a ontologia tradicional, existentia designa o mesmo que ser simplesmente dado, modo de ser que não pertence à essência do ente dotado do caráter de pre-sença. Evita-se uma confusão usando a expressão interpretativa ser simplesmente dado para designar existência a reservando-se existência como determinação ontológica exclusiva da pre-sença.
A “essência” da pre-sença está em sua existência. (SZ 77)


Em Ser e Tempo se diz (p. 38) que toda questão da filosofia “repercute na existência”. Mas a existência, de que se fala, não é a realidade do ego cogito. Como também não é apenas a realidade dos sujeitos, que, atuando em conjunto uns para os outros, chegam a si mesmos. (CartaH, Carneiro Leão; GA9GS)


Que significa “existência” em Ser e Tempo? A palavra designa um modo de ser (Weise des Seins) e, sem dúvida, do ser daquele ente que está aberto para a abertura do ser (Offenheit des Seins), na qual se situa, enquanto a sustenta. Este sustentar é experimentado sob o nome “preocupação” (Sorge). A essência ekstática (ekstatische) do ser-aí (Dasein) é pensada a partir da “preocupação” assim como, vice-versa, a preocupação somente pode ser experimentada, de modo satisfatório, em sua essência ekstática. O sustentar assim compreendido é a essência da ekstasis (Ekstasis) que deve ser pensada. A essência ekstática da existência é, por isso, ainda então insuficientemente entendida, quando representada apenas como “situar-se fora de” (Hinausstehen), concebendo o “fora de” como o “afastado da” interioridade de uma imanência da consciência e do espírito; pois, assim entendida, a existência ainda sempre seria representada a partir da “subjetividade” e da “substância”, quando o “fora” deve ser pensado como o espaço da abertura do próprio ser. Por mais estranho que isto soe, a stásis do ekstático se funda no in-sistir (Innestehen) no “fora” e “aí” do desvelamento (Unverborgenheit) que é o modo de o próprio ser acontecer (west). Aquilo que deve ser pensado sob o nome “existência”, quando a palavra é usada no seio do pensamento que pensa na direção da verdade do ser (Wahrheit des Seins) e a partir dela, poderia ser designado, do modo mais belo, pela palavra “in-sistência” (Inständigkeit). Mas então devemos pensar em sua unidade e como plena essência da existência, sobretudo, o in-sistir na abertura do ser, o sustentar da in-sistência (preocupação) e a per-sistência (Äussersten) na situação suprema (ser para a morte (Sein zum Tode)). (MHeidegger O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA)


Acabamos de dizer que a palavra “existir” não pode ser aplicada adequadamente ao não manifestado, ou seja, em suma, ao estado principial; de fato, tomada em seu sentido estritamente etimológico (do latim ex-stare), essa palavra indica um ser dependente de um princípio diferente de si mesmo, ou, em outras palavras, um ser que não tem sua razão suficiente em sisi mesmo, ou seja, o ser contingente, que é a mesma coisa que o ser manifestado1. Quando falamos de Existência, portanto, queremos dizer manifestação universal, com todos os estados ou graus que ela compreende, cada um dos quais pode ser designado igualmente como um “mundo”, e que estão em uma multiplicidade indefinida; mas esse termo não seria mais apropriado para o grau de Ser puro, o princípio de toda manifestação e ele mesmo não manifestado, nem, a fortiori, para aquilo que está além do próprio Ser.

Podemos estabelecer em princípio, antes de qualquer outra coisa, que a Existência, universalmente considerada de acordo com a definição que acabamos de dar, é única em sua natureza íntima, pois o Ser é uno em sisi mesmo, e precisamente por causa dessa unidade, uma vez que a Existência universal não é outra coisa senão a manifestação integral do Ser, ou, para falar mais precisamente, a realização, no modo manifestado, de todas as possibilidades que o Ser principalmente compreende e contém em sua própria unidade. Por outro lado, essa “unicidade” da Existência, se é que podemos usar um termo que pode parecer um neologismo,2 não exclui nem afeta a multiplicidade de modos de manifestação mais do que a unidade do Ser na qual se baseia, pois também inclui todos esses modos pelo próprio fato de serem igualmente possíveis, implicando essa possibilidade que cada um deles deve ser realizado de acordo com as condições que lhe são próprias. Segue-se daí que a Existência, em sua “unicidade”, compreende, como já indicamos, um número indefinido de graus, correspondendo a todos os modos de manifestação universal; e essa multiplicidade indefinida de graus de Existência implica correlativamente, para qualquer ser considerado em sua totalidade, uma multiplicidade igualmente indefinida de estados possíveis, cada um dos quais deve ser realizado em um dado grau de Existência.


  1. Disso decorre que, rigorosamente falando, a expressão vulgar “EXISTÊNCIA de Deus” é um disparate, quer por “Deus” entendamos o Ser, como se dá com mais frequência, ou entendamos, a fortiori, o Princípio Supremo que está além do Ser. 

  2. Este termo é a tradução mais precisa da expressão árabe equivalente Wahdatul-wujûd. — Sobre a distinção a ser feita entre a “unicidade” da Existência, a “unidade” do Ser e a “não dualidade” do Princípio Supremo, consulte L’Homme et son devenir selon le Vêdânta, cap. VI