A questão de nosso encontro refere-se à essência da filosofia. Se esta questão brota realmente de uma indigência e se não está fadada a continuar apenas um simulacro de questão para alimentar uma conversa, então a filosofia deve ter-se tornado para nós problemática, enquanto filosofia. É isto exato? Em caso afirmativo, em que medida se tornou a filosofia problemática para nós? Isto evidentemente só podemos declarar se já lançamos um olhar para dentro da filosofia. Para isso é necessário que antes saibamos que é isto – a filosofia. Desta maneira somos estranhamente acossados dentro de um círculo. A filosofia mesma parece ser este círculo. Suponhamos que não nos podemos libertar imediatamente do cerco deste círculo; entretanto, é-nos permitido olhar para este círculo. Para onde se dirigirá nosso olhar? A palavra grega philosophía mostra-nos a direção. Que é isto – A Filosofia?
Do que foi dito, que resulta para nossa tentativa de, num encontro, tratarmos a questão: Que é isto – a filosofia? Primeiramente um ponto: não podemos ater-nos apenas à definição de Aristóteles. Disto deduzimos o outro ponto: devemos ocupar-nos das primeiras e posteriores definições de filosofia. E depois? Depois alcançaremos uma fórmula vazia, que serve para qualquer tipo de filosofia. E então? Então estaremos o mais longe possível de uma resposta à nossa questão. Por que se chega a isto? Porque, pelo processo há pouco referido, somente reunimos historicamente as definições que estão aí prontas e as dissolvemos numa fórmula geral. Isto se pode realmente fazer quando se dispõe de grande erudição e auxiliado por verificações certas. Nesta empresa não precisamos, nem em grau mínimo, penetrar na filosofia de tal modo que meditemos sobre a essência da filosofia. Procedendo daquela maneira nos enriquecemos com conhecimentos muito mais variados e sólidos e até mais úteis sobre as formas como a filosofia foi representada no curso de sua história. Mas por esta via nunca chegaremos a uma resposta autêntica, isto é, legítima, para a questão: Que é isto – a filosofia? A resposta somente pode ser uma resposta filosofante, uma resposta que enquanto resposta filosofa por ela mesma. Mas como compreender esta afirmação? Em que medida uma resposta pode, na medida em que é res-posta, filosofar? Procurarei esclarecer isto agora provisoriamente por algumas indicações. Aquilo que tenho em mente e a que me refiro sempre perturbará novamente nosso diálogo. Será até a pedra de toque para averiguar se nosso encontro tem chance de se tomar um encontro verdadeiramente filosófico. Coisa que não está absolutamente em nosso poder. Que é isto – A Filosofia?
Entretanto, o que o bom senso, antecipadamente justificado em seu âmbito próprio, pensa da filosofia, não atinge a essência dela. Esta somente se deixa determinar a partir da relação com a verdade originária do ente enquanto tal e em sua totalidade. Mas pelo fato de a plena essência da filosofia incluir sua não-essência e imperar originariamente sob a forma da dissimulação, a filosofia, enquanto põe a questão desta verdade, é ambivalente em si mesma. Seu pensamento é a tranqüilidade da mansidão que não se nega ao velamento do ente em sua totalidade. Mas seu pensamento é também, ao mesmo tempo, a decisão enérgica do rigor, que não rompe o velamento, mas que impele sua essência intacta para dentro da abertura da compreensão, e desta maneira, para dentro de sua própria verdade. SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE
Interpretando, desta maneira, a essência da filosofia, Kant, cuja obra introduz o último período da metafísica ocidental, olha para um domínio que, de acordo com sua postura metafísica, fundada sobre a subjetividade, ele não podia compreender, a não ser a partir desta última. E por isso que a filosofia devia ser interpretada por Kant como guardiã de suas próprias leis. Esta concepção essencial da destinação da filosofia é, contudo, suficientemente ampla para rejeitar toda subordinação de seu pensamento. Subordinação, cuja forma mais flagrante se dissimula sob o pretexto de ainda admitir a filosofia como “expressão” da “cultura” (Spengler) ou como luxo de uma humanidade entregue ao seu trabalho. SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE