A natureza, o homem, o acontecer histórico, a linguagem, constituem, para as respectivas ciências, o incontornável (Unumgängliche) já vigente (55) nas suas objetidades (Gegenständigkeit). Dele cada uma delas depende, mas a representação de nenhuma delas nunca poderá abarcá-lo em sua plenitude essencial. Esta impossibilidade da ciência não se funda no fato de ela não chegar nunca ao fim de suas investigações de controle e segurança. Essa impossibilidade se apoia no fato de que, em princípio, a objetidade, em que se expõe a natureza, o homem, o acontecer histórico, a linguagem, permanecer em sisi mesmo apenas um modo de vigência. Neste modo, o real vigente (Anwesende) em cada um pode, sem dúvida, mas não precisa aparecer incondicionalmente.
O incontornável assim caracterizado rege e reina na essência de toda ciência. Será, então, que constitui a conjuntura discreta que pretendíamos perceber? – Sim e não. Sim, à medida que o incontornável pertence à conjuntura em causa. É o que se evidencia na questão essencial que se levanta com o próprio incontornável. O incontornável rege e reina na essência da ciência. Assim seria de se esperar que a própria ciência pudesse encontrá-lo em si mesma e determiná-lo, como incontornável. Ora, é o que não acontece, por ser isso impossível, para a essência da ciência. Mas onde reconhecê-lo? Se as ciências pudessem elas mesmas encontrá-lo em si mesmas, deveriam, antes de mais nada, ter condições de perceber sua própria essência. É precisamente o que não se dá nem ocorre, sendo o que está fora do alcance da ciência.
Nenhuma física tem condições de falar da física, como física. Todas as sentenças da física falam sempre a partir da física. Em si mesma, nenhuma física pode vir a ser objeto de uma pesquisa física. O mesmo vale para a filologia. Na condição de teoria da língua e da literatura, a filologia nunca poderá ser objeto de um exame filológico. É o que vale para toda ciência.
Ainda assim, uma objeção poderia aqui insinuar-se. Como qualquer outra ciência, a historiografia tem uma história no sentido de ser também um acontecimento. A ciência histórica pode, portanto, tratar de si mesma, tomar a si mesma para tema a ser investigado com o método historiográfico. Certamente que isto é possível. Neste tratamento, a historiografia apreende até o acontecimento da ciência que ela mesma é. Todavia, com isto, a Historiografia nunca poderá apreender sua própria essência de historiografia, (56) isto é, sua essência de ciência histórica. Para se dizer alguma coisa sobre a matemática, como teoria, deve-se abandonar o domínio dos objetos matemáticos com seu modo próprio de representação. Num cálculo matemático, nunca é possível averiguar e acordar o que é, em si mesma, a matemática.
Fica sempre de pé, portanto, o fato de as ciências não terem a possibilidade de apresentar a si mesmas, como ciência, só com os recursos, os métodos e os procedimentos da teoria. Ora, se não é dado à ciência tratar cientificamente de sua própria essência, também não lhe assiste a possibilidade de acesso ao incontornável de sua essência.
Nestas condições aparece aqui uma provocação. O que as ciências não podem contornar, a saber, a natureza, o homem, o acontecer histórico, a linguagem, torna-se, para as ciências e por meio das ciências, inacessível, como tal, ou seja, como incontornável. (GA7)