É preciso que seja preservada a verdade do ser (Wahrheit des Seins), aconteça o que acontecer ao homem e a todo ente. O sacrifício (Opfer) é destituído de toda violência (Zwang) porque é a dissipação da essência do homem (Verschwendung des Menschenwesens) — que emana do abismo da liberdade (Abgrund der Freiheit) — para a defesa da verdade do ser para o ente. No sacrifício se realiza o oculto reconhecimento (verborgene Dank), único capaz de honrar o DOM (Huld) em que o ser se entrega à essência do homem, no pensamento, para que o homem assuma, na referência ao ser, a guarda do ser. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)
A enunciação recebe sua conformidade da abertura do comportamento. Pois, somente através dela, o que é manifesto pode tornar-se, de maneira geral, a medida diretora de uma apresentação adequada. Mas o comportamento aberto mesmo deve deixar-se guiar por esta medida. Isto quer dizer: o comportamento mesmo deve receber antecipadamente o DOM prévio desta medida diretora de toda apresentação. Isto faz parte da abertura que o comportamento mantém, mas se somente pela abertura que o comportamento mantém se torna possível a conformidade da enunciação, então aquilo que torna possível a conformidade possui um direito mais original de ser considerado como a essência da verdade. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Sobre a Essência da Verdade)
De onde recebe a enunciação apresentativa a ordem de se orientar para o objeto, de se pôr de acordo segundo a lei da conformidade? Por que é este acordo co-determinante da essência da verdade? Como pode unicamente efetuar-se a antecipação do DOM de uma medida e como surge a injunção de se ter que pôr de acordo? É isto que somente se realizará se esta doação prévia nos tiver instaurado como livres, dentro do aberto, para algo que nele se manifesta e que vincula toda apresentação. Liberar-se para uma medida que vincula somente é possível se se está livre para aquilo que está manifesto no seio do aberto. Maneira semelhante de ser livre se refere à essência até agora incompreendida da liberdade. A abertura que mantém o comportamento, aquilo que torna intrinsecamente possível a conformidade, se funda na liberdade. A essência da verdade é a liberdade. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Sobre a Essência da Verdade)
Pelo fato de todo comportamento humano sempre estar aberto a seu modo e se pôr em harmonia com aquilo a que se refere, o comportamento fundamental do deixar-ser, quer dizer, a liberdade, lhe comunicou como DOM a diretiva intrínseca de conformar sua apresentação ao ente. O homem ek-siste significa agora: a história das possibilidades essenciais da humanidade historial se encontra protegida e conservada para ela no desvelamento do ente em sua totalidade. Conforme a maneira do desdobramento originário da essência da verdade, irrompem as raras, simples e capitais decisões da história. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Sobre a Essência da Verdade)
Todavia, donde vem, a quem se dirige o DOM no “dá-se”, e segundo que maneira de dar? Se não pode ser. Se fosse (ser), não mais permaneceria ser, mas seria um ente. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: A Tese de Kant sobre o Ser)
O ser, pensá-lo propriamente, exige que se afastem os olhos do ser na medida em que, como em toda metafísica, é explorado e explicitado apenas a partir do ente e em função deste, como seu fundamento. Pensar o ser propriamente exige que se abandone o ser como o fundamento do ente em favor do dar que joga velado no desvelar, isto é, em favor do dá-Se. Ser, como DOM deste dá-Se, faz parte do dar-se. Ser enquanto DOM não é expulso do dar. Ser, pre-s-ença é transformado. Como presentificar faz parte do desocultar, permanece incluído no dar como seu DOM. Ser não é. Ser dá-Se como o desocultar do pre-s-entar. (Faço, às vezes, esta separação para que se torne bem visível o particípio “ente-sendo” (ser), na palavra “presentar”. (N. do T.)) (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
No começo do pensamento ocidental o ser é pensado mas não o “Se dá” como tal. Este se subtrai em favor do DOM, que Se dá, DOM que daí em diante é exclusivamente pensado e conceituado como ser em vista do ente. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
Um dar que somente dá seu DOM e a si mesmo, entretanto nisto mesmo se retém e subtrai, a um tal dar chamamos: destinar. De acordo com o sentido de dar a ser assim pensado, é ser que Se dá, o que foi destinado. Destinado, desta maneira, permanece cada ato de suas transformações. O elemento historial da história do ser determina-se a partir do caráter de destino de um destinar, e não a partir de um acontecer entendido de maneira indeterminada. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
História do ser<ser significa destino do ser — e nessas destinações tanto o destinar como o Se que destina se retêm com a manifestação de si mesmos. Reter-se significa em grego epoché Por isso se fala de época do destino do ser. Época não significa aqui um lapso de tempo no acontecer, mas o traço fundamental do destinar, a constante retenção de si mesmo em favor da possibilidade de perceber o DOM, isto é, o ser em vista da fundamentação do ente. A sucessão das épocas no destino de ser não é nem casual nem se deixa calcular como necessária. Não obstante, anuncia-se no destino aquilo que responde ao destino e no comum-pertencer das épocas aquilo que convém. Estas épocas se encobrem, em sua sucessão, tão bem que a destinação inicial de ser como pre-s-ença é cada vez mais encoberta de diversas maneiras. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
Seguimos esta conjetura e meditamos sobre o tempo. “Tempo” do mesmo modo que “ser”, nos é conhecido através de representações correntes, mas também, do mesmo modo, desconhecido, tão logo empreendamos a discussão do que é próprio ao tempo. Enquanto, há pouco, meditávamos sobre o ser, mostrou-se: aquilo que é próprio do ser, aquilo a que pertence e onde está contido, mostra-se no dá-Se e seu dar, como destinar. O próprio do ser nada tem de caráter ôntico. Se meditarmos realmente sobre o ser, nesse caso o objeto mesmo nos afasta, de certo modo, do ser e passamos a pensar no destino que dá ser como DOM. Na medida em que atentamos a isto, preparamo-nos para o fato de que também o que é próprio do tempo não se deixa já determinar com o auxílio da característica corrente do tempo, comumente representada. A justaposição de tempo e ser contém, não obstante, a indicação para discutir o tempo no que lhe é próprio, com os olhos voltados para o que foi dito sobre o ser. Ser quer dizer: pre-s-entar, presenti-ficar, pre-s-ença. Lemos, por exemplo, em algum lugar, a comunicação: “Com a presença de muitos convivas celebrou-se a festa”. A frase também poderia ser enunciada: “Com a participação” ou “estando presentes” numerosos convivas. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
O homem está postado de tal modo, no interior da abordagem pela presença, que recebe como DOM o presentar que dá-Se, enquanto percebe aquilo que aparece no presenti-ficar. Não fosse o homem o constante destinatário do DOM que brota do “dá-Se-presença”, não alcançaria ao homem aquilo que é alcançado no DOM, nesse caso o ser não apenas ficaria na ausência deste DOM, nem apenas também fechado, mas o homem permaneceria excluído do âmbito e do alcance do: Dá-Se ser. (Se às vezes falo em “se dá ser”, faço-o para acentuar a importância do Se na expressão “Dá-Se ser”. Em si elas são equivalentes. (N do T.)) O homem não seria homem. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
Com isto, o tempo autêntico aparece como o “Se” que nomeamos, quando dizemos: dá-Se ser. O destino, em que Se dá ser, repousa no alcançar do tempo. Mostrou-se, por esta indicação, o tempo como o Se, que dá ser? — De maneira alguma. Pois o tempo mesmo permanece o DOM de um dá-se cujo dar protege o âmbito em que é alcançada presença. Desta maneira, o Se continua ainda enigmático. Em tal caso é aconselhável determinar o Se que dá a partir do dar que já foi caracterizado. Este mostrou-se como o destinar de ser, como tempo, no sentido do alcançar iluminador. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
“Ser enquanto o Ereignis” — outrora pensou a Filosofia o ser enquanto idea, enquanto energeia, enquanto actualitas, enquanto vontade, sempre a partir do ente, e agora – poder-ser-ia dizer – pensa o ser<ser enquanto Ereignis. Assim compreendido, Ereignis significa uma explicação derivada do ser, a qual, caso apresente foros de legitimidade, representa a continuação da metafísica. O “enquanto” significa neste caso: Ereignis como uma espécie de ser, subordinado ao ser, que constitui o conceito central ainda retido. Pensemos, contudo, como foi tentado, ser no sentido de presentar e presentificar, que se dão no destino, o qual, por sua vez, repousa no iluminador-velador alcançar do tempo autêntico, então o ser faz parte do acontecer apropriados. É dele que o dar e o seu DOM recebem sua determinação. Nesse caso o ser seria uma espécie de Ereignis e não o Ereignis uma espécie de ser. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
Mas o refúgio numa tal inversão seria pouco séria. Esta falseia o verdadeiro estado de coisas. Ereignis não é conceito supremo abarcador, sob o qual seria possível inserir ser e tempo. Relações lógicas de ordem não dizem nada aqui. Pois, ao meditarmos sobre o próprio ser e perseguirmos o que lhe é próprio, mostra-se ele como o DOM do destino de presença garantido pelo alcançar do tempo. O DOM do presentar é propriedade do acontecer-apropriando. Ser desaparece no Ereignis. Na expressão: “Ser enquanto o Ereignis”, o “enquanto” quer agora dizer: Ser, presentificar destinado no acontecer que apropria, tempo alcançado no acontecer que apropria. Tempo e ser acontecem apropriados no Ereignis. E quanto a este mesmo? Pode-se dizer mais do Ereignis? (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser)
Retomou-se novamente a discussão apresentada em sessão anterior, sobre os modelos ônticos — por exemplo, o alcançar, DOM etc., como processos ônticos no tempo. Um pensamento que pensa em modelos não deve já por isso ser imediatamente caracterizado como um pensamento técnico, porque, no caso, modelo não deve ser compreendido no sentido técnico, como reprodução ou projeto de algo em escala menor. Modelo é, muito antes, aquilo de que se deve distanciar necessariamente o pensamento como pressuposto natural, a saber, de tal maneira que aquilo de que o pensamento se distancia é, ao mesmo tempo, aquilo com que se distancia. A necessidade de o pensamento utilizar modelos está em conexão com a linguagem. A linguagem do pensamento somente pode partir da linguagem natural. Esta, porém, é, no fundo, historial e metafísica. Nela já está previamente dado um tipo de explicitação que assume as formas do óbvio. Visto a partir daqui só existe para o pensamento a possibilidade de procurar modelos, para demoli-los e, assim, realizar a passagem para o âmbito do especulativo. Como exemplos para estados de coisas pensados com recurso a modelos, foram citados: 1) a proposição especulativa em Hegel desenvolvida com o modelo da proposição ordinária, e de tal maneira que esta oferece o modelo que deve ser eliminado para a proposição especulativa; 2) a maneira de se movimentar do noûs, como vem analisada nos Nomoi de Platão, isto é, no modelo do automovimento dos seres vivos. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”)
A recusa de mundo de que se fala em A Viravolta está em conexão com a recusa e a suspensão do presente em Tempo e Ser. Pois de recusa e suspensão pode-se falar também ainda no Ereignis, na medida em que estas duas palavras se referem aos modos como se dá tempo. Agora não resta dúvida de que a discussão do Ereignis é o lugar da despedida de ser e tempo; estes, porém, permanecem, de certa maneira, como o DOM do Ereignis. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”)