Crítica da Razão Pura

A Crítica da Razão Pura de Kant pertence àquele número de obras de filosofia que, enquanto continuar a haver filosofia nesta terra, se tornam, cada dia, uma fonte inesgotável. É uma daquelas obras que, acerca de todas as futuras tentativas de a superar, na medida em que, simplesmente, as ultrapassa, já sobre elas pronunciou um juízo. (GA41)


Crítica da Razão Pura — o que quer dizer «critica» e «criticar», toda a gente o sabe; «razão» — o que é um homem «racional», ou uma proposta «racional», toda a gente entende; o que significa «puro», em contraste com «impuro» (água impura, por exemplo), é também claro. Crítica da Razão Pura — eis um título a propósito do qual, não obstante, não conseguimos pensar nada de adequado. Antes de mais, seria de esperar que, numa crítica, qualquer coisa de insatisfatório, de insuficiente e, portanto, de negativo, fosse rejeitado e que qualquer coisa como uma razão impura fosse criticada. O que a Crítica da Razão Pura possa, finalmente, ter a ver com a questão acerca da coisa é incompreensível. E, no entanto, devemos notar, com todo o direito, que este título não exprime senão a questão acerca da coisa — mas exprime-a como questão. Como questão, ela é uma questão histórica. O título visa essa história, numa fase decisiva do seu desenvolvimento. Visto exteriormente, isto significa que Kant, totalmente consciente do significado da sua obra, lhe deu um título que foi exigido pelas condições da época e que, ao mesmo tempo, a ultrapassava. Que história da questão acerca da coisa se exprime neste título? (GA41)


No desenvolvimento da Crítica não é abandonada nem a determinação do ser<ser como posição, nem, muito menos, em geral o conceito de ser. É por isso que se pode dizer que é um erro do neokantismo, cujas consequências ainda hoje se fazem sentir, pensar que, pela filosofia de Kant, foi, como se diz, “liquidado” o conceito de ser. O sentido de ser (presença constante) que impera desde a Antiguidade não apenas é mantido na explicação critica que Kant dá do ser como objetividade do objeto da experiência; ao contrário, através da determinação ‘objetividade’, ele se manifesta em uma forma excepcional, enquanto é justamente encoberto, e deformado até, através da explicação do ser como substancialidade da substância, explicação imperante na história da filosofia. Kant, entretanto, determina o “substancial” sempre no sentido da explicação critica do ser como objetividade: O elemento substancial não significa outra coisa “que o conceito de objeto em geral, o qual subsiste na medida em que nele se pensa somente o sujeito transcendental, sem quaisquer predicados” (A 414, B 441). A TESE DE KANT SOBRE O SER