Philosophische Untersuchungen (Investigações Filosóficas) — As ideias expostas nas Investigações foram desenvolvidas por Wittgenstein em seus cursos de Cambridge desde a década de trinta. Mas o pensador nos diz que o livro só começou a ser escrito na década de quarenta. Por sua exigência, a publicação foi póstuma (Wittgenstein morreu em 1951, e a primeira edição das Investigações Filosóficas é de 1953). Trata-se de um trabalho de dificuldade muito maior que o Tractatus, e dele abordaremos rapidamente a sua concepção muito especial do que seja a “linguagem”. Não há, nas Investigações, o uso normativo da lógica matemática como uma maneira de se determinar o sentido de um discurso; muito ao contrário — em contraste com o Tractatus. — as Investigações não se apresentam como um trabalho sistemático, mas sim, conforme o pensador diz no prefácio, como se fossem um “álbum de recortes”. Nesta desorganização quase que intencional, e por trás das diferenças aparentes, podemos perceber duas ideias cujas raízes se encontram no Tractatus. A primeira é o paradoxo implícito em toda teoria da linguagem: uma teoria da linguagem só pode ser desenvolvida dentro da própria linguagem. Como então, examinar a linguagem com a linguagem? A este paradoxo já o Tractatus faz referência. A ideia que Wittgenstein desenvolve para caracterizar o que seja a linguagem é a noção de “jogos de linguagem”. Em cada uma de nossas atividades diárias empregamos vários jogos de linguagem — jogos que nos servem para fazer exclamações, para perguntar, dizer algo, conversar, falar do trabalho, fazer queixas, passar “broncas”, e assim por diante. Mas o que é um jogo de linguagem? Qual a unidade entre os diversos jogos de linguagem? A esta pergunta responde Wittgens tein com uma metáfora: a semelhança entre os diversos “jogos de linguagem” é uma simples “semelhança de família”, como a que possuem entre si pais, filhos, irmãos, tios. Percebemos a semelhança, mas nos é impossível caracterizá-la com mais precisão do que através de comentários como “ele possui o nariz do pai” ou “ela possui os lábios da mãe”. E o que é um jogo de linguagem? Dentro dos jogos de linguagem, as palavras ganham sentido através de suas relações umas com as outras, isto é, através do uso que delas fazemos. Wittgenstein foi muito atacado por esta sua caracterização do “sentido” de um signo como sendo o “uso” que dele é feito. Mas tal ideia evolui espontaneamente da noção de estado-de-coisas no Tractatus. No Tractatus, o estado-de-coisas era um conjunto de possibilidades envolvendo determinadas coisas; ele seria descrito pela proposição. Nas Investigações, o jogo de linguagem é o conjunto de possibilidades que determinadas palavras possuem em certas situações. O que desaparece é o implícito determinismo da noção de “estado-de-coisas”. No Tractatus fica a impressão que a estrutura (os relacionamentos internos que os objetos pertencentes ao estado-de-coisas possuem entre si) do estado-de-coisas pode ser efetivamente descrita pela linguagem. Nas Investigações, Wittgenstein, percebendo que se nós podemos sequer falar da “existência” de um objeto, nós já estaremos dentro da linguagem, acaba com a ficção de se desenvolver um método de análise pressupondo duas categorias separadas, “mundo” e “linguagem”. O que quer que possa ser dito sobre o mundo, é a linguagem que pode dizer. Então é perda de tempo forçar sobre a linguagem uma divisão que não existe na própria linguagem. Toda a riqueza e toda a imprecisão da linguagem são conservadas no jogo de linguagem; sua estrutura é complexa demais para ser “exposta” e “elucidada” através de um sistema rigoroso como a lógica simbólica. Mas podemos ganhar dela uma “visão” através do uso de nossa própria linguagem banal de todos os dias. (Francisco Doria – DCC)