Para Bergson a filosofia não pode ter outro método que o da intuição. Qualquer outro método que não seja a intuição falsearia radicalmente a atitude filosófica. Por quê? Porque Bergson contrapõe (até que ponto com verdade, isso não vou discuti-lo agora) a atividade intelectual e a atividade intuitiva. Para Bergson a atividade intelectual consiste em fazer o que fazem os cientistas; consiste em fazer o que fazem os homens na vida ordinária; consiste em tomar as coisas como coisas inertes, estáticas, compostas de elementos que se podem decompor e recompor, como o relojoeiro decompõe e recompõe um relógio. O cientista, o economista, o banqueiro, o comerciante, o engenheiro, tratam a realidade que têm diante de si como um mecanismo cujas bases se podem desconjuntar e logo tornar a se juntar. O cientista, o matemático, considera as coisas que têm diante de si como coisas inertes, que estão aí, esperando que ele chegue para dividi-las em partes e fixar para cada elemento suas equações definidoras e logo reconstruir essas equações.
Segundo Bergson, este aspecto da realidade que o intelecto, a inteligência, estuda desta maneira, é o aspecto superficial e falso da realidade. Debaixo dessa realidade mecânica que pode se decompor e recompor à vontade, debaixo dessa realidade que ele chama realidade já feita, está a mais profunda e autêntica realidade, que é uma realidade que se faz, que é uma realidade impossível de decompor em elementos comutáveis, que é uma realidade fluente, que é que é, por conseguinte, uma realidade no fluir do tempo, que se escapa das mãos tão logo queremos aprisioná-la; como quando jogamos água numa cesta de vime e ela escapa pelas aberturas.
Do mesmo modo, para Bergson o intelecto realiza sobre essa realidade profunda e movediça uma operação primária que consiste em solidificá-la, em detê-la, em transformar o fluente em inerte. Deste modo facilita-se a explicação, porque, tendo transformado o movimento em imobilidade, decompõe-se o movimento em uma série infinita de pontos imóveis.
Por isso, para Bergson, Zenão de Eléa, o famoso autor dos argumentos contra o movimento, terá razão no terreno da intelectualidade, e não terá jamais razão no terreno da intuição vivente. A intuição vivente tem por missão abrir passagem através dessas concreções do intelecto, para usar uma metáfora. A primeira coisa que fez o intelecto foi congelar o rio da realidade, convertê-lo em gelo sólido, para poder entendê-lo e manejá-lo melhor; porém falseia-o ao transformar o líquido em sólido, porque a verdade é que, por baixo, é líquido, e o que tem que fazer a intuição é romper esses artificiais blocos de gelo mecânico para chegar à fluência mesma da vida, que corre sob essa realidade mecânica.
A missão da intuição é, pois, essa: opor-se à obra do intelecto, ou daquilo que Bergson chama o pensamento, ia pensée. Por isso, no seu último livro chegou talvez ao máximo refinamento na história da filosofia, que consiste em ter colocado no titulo mesmo do seu livro a última essência do seu pensamento: Intitula-o La pensée et le mouvant: “O pensamento e o movente”. Intelectual é o pensamento. Mas o aspecto profundo e real é o movimento, a continuidade do fluir do mudar, ao qual só por intuição podemos chegar.
Por isso, para Bergson, a metáfora literária é o instrumento mais apropriado para a expressão filosófica. O filósofo não pode fazer definições porque as definições se referem ao estático, ao quieto, ao imóvel, ao mecânico e ao intelectual.
Mas a verdade última é o movente e fluente que há debaixo do estático, e a essa verdade não se pode chegar por meio de definições intelectuais: a única coisa que pode fazer o filósofo é mergulhar nessa realidade profunda; e logo, quando voltar à superfície, tomar a pena e escrever, procurando, por meio de metáforas e sugestões de caráter artístico e literário, levar o leitor a verificar por sua vez essa mesma intuição que o autor verificou antes dele. A filosofia de Bergson é um constante convite para que o leitor seja também filósofo e faça também ele as mesmas intuições. [Morent]