imanência do vivido

O interesse pela evidência perceptiva é o fio condutor da análise fenomenológica, não é o ponto de partida nem o fim. O problema fenomenológico central da evidência diz respeito à possibilidade de um saber mais originário sobre o qual se fundam as diversas intenções objectivantes. A compreensão do direito da evidência remete sempre para este fundamento, isto é, segundo a expressão de E. Fink, para uma evidência da evidência. Em que é que a intenção do saber encontra um preenchimento «sem resto», isto é, uma referência que possui em si mesma a sua própria justificação? O «sentido de transcendência» retira a sua evidência da indubitabilidade primeira do fenômeno, quer dizer, da sua imanência vivida: está aí a fonte do saber como está igualmente o seu fim. Ora esta imanência é constantemente dada, mas a sua evidência constantemente desconhecida, ou pervertida, porque somos naturalmente orientados para os objetos e o fenômeno nunca se apresenta com a evidência do preenchimento. A fenomenologia tem por tarefa conduzir (retro-questão — em alemão Ruckfrage) pela reflexão à imanência esquecida a partir da qual, na qual, as transcendências objectivas têm a sua evidência. E as transcendências eidéticas igualmente.

Mas a evidência não perde a sua estrutura. Na reflexão que é a análise fenomenológica esta transfere-se para o fenômeno, vivido, ou, numa linguagem que indica melhor a intencionalidade, ato. Estão aí «novos objetos» (Recherches Logiques II — Introdução), mas que usufruem do privilégio de serem os únicos objetos de uma evidência adequada ou ainda os únicos aparecendo integralmente e sendo tal como aparecem. Apenas eles podem fornecer a evidência da evidência: a fenomenologia encontra no fenômeno a origem e a presença viva da verdade.

Parece, contudo, que o fato de tomar «para objeto» o vivido ou os atos em que reside a reflexão opor-se-ia à própria noção de imanência. É então que apareceria uma distância de si para si que a noção de vivido quer eliminar. Haverá contradição entre os dois princípios da imanência e da intencionalidade. Ora a solução desta dificuldade teórica encontra-se precisamente em «o fato» de que a consciência não se reporta a si mesma senão na medida em que é também vivido intencional. Este «fato» é uma essência e define a própria essência da reflexão. A reflexividade da consciência não é deduzida por Husserl de propriedades estranhas à evidência, portanto presumidas, mas também não é da origem do fato; a evidência eidética na sua própria essência, quer dizer, na possibilidade que ela indica que a consciência tem de se reportar a ela própria pela sua forma, garante a legitimidade da reflexão sobre o vivido.

Para traduzir o deslocamento radical do interesse teórico implicado na reflexão fenomenológica, conceitos novos foram formados por Husserl e operam na sua obra mesmo antes de os ter explicitamente formulado: conceitos de pureza, de redução, que preparam o caminho à «fenomenologia transcendental». [Schérer]