homem e Deus

Não há por que estranhar de que Deus, ao criar-me, haja posto em mim essa ideia (de Deus) para que seja como a marca do artífice impressa em sua obra; e tampouco é necessário que essa marca seja algo diferente da obra mesma, mas que só por Deus haver-me criado, pode-se crer muito bem que me haja produzido, de certo modo, a sua imagem e semelhança, e que eu concebo essa semelhança, na qual está contida a ideia de Deus, com a mesma faculdade pela qual concebo a mim mesmo; isto é, que ao refletir sobre mim mesmo, não só conheço que sou uma coisa imperfeita, incompleta e depende, que sem cessar tende e aspira a algo melhor ,e maior que eu, como também conheço, ao mesmo tempo, que esse, de quem dependo, possui todas essas grandes coisas a que eu aspiro e cujas ideias acho em mim; e as possui, não indefinidamente e só em potência, mas gozando delas efetivamente, em ato e infinitamente, por isso é Deus. E toda a força do argumento que empreguei aqui para provar a existência de Deus, consiste em que reconheço que minha natureza não poderia ser a que é, isto é, que eu não poderia ter em mim mesmo a ideia de Deus, se Deus não existisse verdadeiramente. (Descartes – Meditationes de prima philosophia, III.)