Tentando visualizar a forma da frase, estamos, com efeito, tentando visualizar o cosmos da nossa realidade, estamos investigando o Sachverhalt real e procurando saber que Bewandtnis tem. Se visualizamos a frase como um tiro ao alvo ou como uma projeção cinematográfica, estamos, com efeito, visualizando assim o nosso cosmos. Ao dizer que a frase consiste em sujeito, objeto e predicado organizados entre si em forma de um projeto comparável ao tiro ou à projeção, estamos dizendo, com efeito, que a nossa realidade consiste em sujeitos, objetos e processos assim organizados. A análise lógica da frase é uma análise ontológica da realidade.
Assim como se comportam as palavras dentro da frase “o homem lava o carro”, assim se comportam as coisas na realidade. Toda investigação ontológica deveria, portanto, partir da análise da frase. Como a aranha deveria considerar a sua teia antes de qualquer consideração de moscas, se quiser evitar um aracnismo ingênuo, assim devemos considerar, antes de mais nada, a estrutura da frase, se quisermos evitar a atitude ingênua chamada “humanismo” em nossos dias. Essa estrutura nos é dada pela língua dentro da qual pensamos tão irrevogavelmente quanto é dada a teia no caso da aranha. Querer fugir da estrutura da realidade em sujeito, objeto e predicado é querer precipitar-se, num suicídio metafísico, para dentro das malhas da nossa teia. Uma realidade consistente somente em sujeitos (loucura parmenideana), ou somente em objetos (loucura platônica), ou somente em predicados (loucura heracliteana), é exemplo dessa fuga suicida. Por incômoda que possa ser, devemos aceitar a tríplice ontologia como um dado imposto pela língua. O resto é metafísica, portanto, silêncio. [FLUSSER, Vilém. DA DÚVIDA. São Paulo: É Realizações, 2018, p. 48-50]