filosofismos

A extrema degradação a que chegou a filosofia com o positivismo, o materialismo, o sociologismo e todos os filosofismos correlatos, combatendo as verdades da consciência natural pela utopia das fórmulas físico-químicas, gerou toda a angústia contemporânea, cujo único remédio consiste precisamente em sair do círculo vicioso de um pensamento que nega verbalmente o ser com os seus princípios e depois reduz o ser aos acidentes e os princípios da inteligência aos princípios da matemática para completar a falsificação do mundo e da vida. A solução deve consistir na restauração da filosofia autêntica do ser, fundada na experiência quotidiana, esclarecida pelos princípios imutáveis da inteligência, os quais nos conduzem à essência do ser, princípios esses que se nutrem da experiência sensível, da experiência volitiva que intui a existência do ser, da experiência emotiva que intui o valor do ser e da vida. A restauração da filosofia do ser não é outra cousa senão o retorno ao senso natural, a abolição do esforço contra-naturam do pensamento moderno com suas raízes cartesianas e do pensamento contemporâneo com suas raízes kantianas.

No entanto, esta restauração teria parecido geralmente impossível, enquanto se acreditasse na infalibilidade dos métodos matemáticos do conhecimento científico, com a sua visão físico-química e homogênea da realidade. Mas depois da revisão do valor filosófico da ciência contemporânea, pela crítica principalmente de Boutroux e Bergson, havendo caído o castelo de cartas sobre o qual se apoiava todo positivismo e todo materialismo, juntamente com o sociologismo e o fenomenismo evolucionista, o caminho que se abre, não é o de uma nova contradictio in adiecto, qual por exemplo a do “existencialismo” que toma por necessária uma existência contingente. O caminho que se abre é o de um retorno, não à filosofia do passado, (porque a filosofia verdadeira ou é perene ou não é filosofia) e sim um retorno à filosofia da consciência natural, esclarecida pelos princípios da inteligência, apoiada pela tríplice intuição intelectiva, volitiva e emotiva do mundo e da vida: aquela filosofia em suma, que não pretende forjar e sim descobrir a verdade, reabilitando a razão contra o racionalismo e levando a intuição intelectiva da realidade até suas últimas conseqüências, sem se confinar ao matematismo, no qual redundou toda visão racionalista da realidade.

Toda a obra de Bergson, que parece dirigida contra a inteligência, em verdade não o é senão contra as formas matemático-quantitativas do saber científico, contra a ciência contemporânea, a qual, depois de haver falsificado a realidade do mundo exterior, pretendeu ainda aplicar suas “leis” à “análise” da vida interior, reduzindo a uma só e horizontal homogeneidade toda a complexa heterogeneidade dos seres e do Ser, do mundo e da vida. Delinear novamente uma filosofia dos seres e do Ser, não é, nem pode ser outra cousa, senão retomar os pontos fundamentais do que se chamou o pensamento escolástico e isto simplesmente porque esta é uma doutrina que se apoia sobre a experiência real e integral da vida, a experiência do Ser e do Existir; e quem quisesse abolir os fundamentos da doutrina escolástica e reconstruir novamente uma filosofia fundada na consciência natural e nos primeiros princípios da Inteligência, nada mais faria do que reconstruir essa mesma filosofia escolástica, que não é a teoria inventada por este ou aquele filósofo, por força desta ou daquela circunstância históricosocial, e sim, a doutrina descoberta pelo pensamento filosófico na realidade objetiva do mundo, do homem e de Deus. E pelo fato de que essa realidade é uma só, desde que a sua experiência seja esclarecida pelos princípios da intuição intelectual, a sua formulação em termos filosóficos há de ser um conjunto de conclusões harmônicas e intemporais. Isto porque, os princípios da filosofia são universais e não peculiares, na sua essência, a esta ou aquela cultura, como acreditava Spengler. [Barbuy]