factícia

A palavra grega ἄγαλμα, que designava as estátuas, expressa muito bem esse estatuto original dos facticia humanos. Segundo Kerényi (Agalma, eikon, eidolon, em: Archivio di filosofia, 1962), “este termo não serve para indicar, entre os gregos, algo sólido e determinado, mas… a fonte perpétua de um acontecimento, de que se supõe que a divindade faça parte da mesma forma como o homem”. O significado etimológico de ἄγαλμα (de ἀγάλλομαι) é “alegria, exultação”. Wilamowitz cita o caso de estátuas arcaicas que trazem a inscrição Χάρης ειμί, ἄγαλμα τοῦ Ἀπόλλωνος, que se deve traduzir assim: “eu sou Chares, estátua e alegria de Apolo”. O genitivo é aqui, exatamente na mesma medida, subjetivo e objetivo. Diante das estátuas, é totalmente impossível decidir se nos encontramos frente a “objetos” ou a “sujeitos”, porque elas nos olham a partir de um lugar que precede e supera a nossa distinção entre [99] sujeito e objeto. Isso é verdade em medida ainda maior se, ao invés de uma estátua grega, tomarmos qualquer objeto pertencente a alguma cultura primitiva, que está para aquém não só da nossa distinção entre subjetivo e objetivo, mas também daquela entre humano e não humano; no limite, porém, isso vale para toda criação humana, seja estátua ou poesia. Só nessa perspectiva é que a antropologia futura poderá chegar a definir um estatuto do objeto cultural e localizar no seu topos próprio os produtos do “fazer” do homem. [AgambenE:99-100]