etnolinguística

Embora a designação seja mais usual nos estudos norte-americanos, a etnolinguística ou sociolinguística ou linguística antropológica tem sido praticada tanto na Europa quanto naquele país. Sua extensão resulta mesmo de seu objeto preliminar: as relações entre a linguagem e a cultura Neste sentido, no âmbito da ciência em língua francesa, ela se origina tanto de Durkheim e Mauss, quanto de Saussure e seu discípulo Meillet. No campo da língua inglesa, não menos imediata foi a consideração da linguagem nos estudos antropológicos: ela se mostra no Primitive Culture (1871) e no Anthropology (1881) do próprio E.B. Tylor, um dos reconhecidos fundadores da antropologia como ciência. Em 1920, Malinowski ressalta a urgência de uma teoria etnolinguística que desempenharia papel decisivo na pesquisa etnográfica. É contudo com J.R. Firth que a etnolinguística britânica mais se destaca. Nos EE UU, os pioneiros mais salientes chamam-se Boas, Kroeber, Sapir, Radin, Bloomfield, todos antropólogos ou linguistas de renome internacional. — A extensão de seu emprego, porém, não define a sua peculiaridade. Ao contrário, encarada como a disciplina que estuda as relações entre linguagem e cultura, a etnolinguística antes aparece como um campo de inter-relacionamento semelhante a tantos outros. Além do mais parece óbvio que, sendo a linguagem um fenômeno social e sendo nossa visão da realidade socialmente determinada, a linguagem interfira sobre a nossa expressão do mundo. Daí, como disse Alf Sommerfelt, “o problema controvertido, porém, consiste em se as grandes diferenças na gramática das famílias de línguas do mundo também determinam uma organização diferente da experiência e não só uma ênfase diversa”. O que vale dizer, a etnolinguística só tem seu recorte científico precisado quando se explicita a maneira como se entende aquele relacionamento. — Três visões do problema se destacam: 1) os dados e métodos linguísticos desempenham papel central na pesquisa etnográfica. Neste caso, a linguística funciona como pesquisa auxiliar, conouanto decisiva, do trabalho etnográfico. É de modo meio arbitrário que então se fala de etnolinguística, pois um objeto novo, e daí uma nova ciência não nasce do simples emprego de descrições efetuadas com o instrumental de uma ciência no interior doutra que mantém o seu método e premissas originais. Entre muitos, aí se incluem Malinowski, Goodenough e Greenberg. 2) Surgida da hipótese formulada pelo linguista norte-americano Benjamin Lee Whorf (1897-1941) — também chamada hipótese Sapir-Whorf —, segundo a qual a estrutura peculiar à língua do falante é fator substancial na maneira como ele concebe a realidade e se comporta com respeito a ela. Embora a ideia já estivesse em W. von Humboldt, só agora então ela se apresenta com dados de pesquisa de campo. Estudioso das línguas nativas norte-americanas, Whorf afirmava, por exemplo, a superioridade abstrativa da língua Hopi — objeto especial de seus estudos — face ao inglês, o que a melhor capacitaria para o exercício da ciência. Whorf assim chegava à afirmação de um completo relativismo — ou determinismo — linguístico, que, por outro lado, dava à etnolinguística o papel de indispensável terapia à verdadeira compreensão entre os povos. Objeto de severas críticas, a contribuição de Whorf não pode, contudo, ser jogada na cesta das inutilidades nem, em extremo oposto, receber a credibilidade que hoje apenas recebe dos amadores das hipóteses ousadas. O que de concreto já se sabe é muito pouco para que a hipótese de Whorf deixe de se manter sob uma capa de pessimismo e desconfiança. 3) Distingue-se da primeira por não restringir o papel do linguista ao de oferecer ao etnógrafo mais rigorosas e autorizadas descrições distingue-se da segunda por não derivar da pesquisa linguística conclusões sobre a relatividade das culturas, mas sim em estabelecer a semelhança formal entre o sistema da língua em si os demais subsistemas antropológicos. Formulada por Lévi-Strauss, esta direção, contudo, encontrara em F. Boas o seu grande inspirador. Em texto de 1911, o antropólogo norte-americano, com efeito, dizia: “Parece que a diferença essencial entre os fenômenos linguísticos e outros fenômenos etnológicos é que as classificações linguísticas nunca ascendem à consciência, enquanto noutros fenômenos etnológicos, embora prevaleça a, mesma origem inconstiente, elas, com frequência, vêm à consciência e assim dão lugar a racionalizações e a reinterpretações”. Boas assim introduzia a distinção entre caráter inconsciente e caráter consciente, dos modelos da realidade empírica e justificava o favor que a linguística deveria ter para o antropólogo em virtude de ser ela a única das ciências sociais a lidar com dados não passíveis de racionalização e reinterpretação. Foi sob esta deriva, desenvolvida pelas pesquisas fonológicas de Trubetzkoy e Jakobson, que o antropólogo francês orientou seu curso de investigações tanto das estruturas de parentesco, quanto do universo dos mitos. Aí, portanto, temos constituída uma ciência própria porquanto não se cogita de seu mero uso em apêndice (linha 1), nem de convertê-la em instrumento de hipóteses não verificadas (linha 2), mas sim de transformá-la em método de comparação da moldagem de sistemas. Neste sentido, a etnolinguística torna-se um campo em contínua expansão, sob este ângulo só comparável à semiologia. (Luiz Carlos Lima – DCC)