(lat. ens, in. being; fr. être; al. Seiendes; it. ente).
O que é, em qualquer dos significados existenciais de ser. Às vezes, mas raramente, essa palavra é usada para designar somente Deus: é o que faz Gioberti, em sua fórmula ideal: “o ente cria o existente” (Introduzione alio studio della fil., II, p. 183): onde “ente” equivale a Deus, como ser necessário, e “existente” equivale às coisas criadas. Habitualmente essa palavra é usada em sentido mais geral. Diz Heidegger: “Chamamos de ente muitas coisas, em sentidos diferentes. ente é tudo aquilo de que falamos, aquilo a que, de um modo ou de outro, nos referimos; ente é também o que e como nós mesmos somos” (Sein und Zeit, § 2). Mas nesse sentido generalíssimo prefere-se hoje a palavra entidade. [Abbagnano]
ente possível e atual; ente e suas divisões
Heidegger insistiu em que deve distinguir-se entre o ente e o ser, entre o verbo e o particípio do verbo. Do ponto de vista linguístico, há que ter em conta que os significados de ente e ser dependem, em grande parte, do modo como estes termos se introduzem, por exemplo, não é a mesma coisa dizer o ente que dizer “um ente”; não é a mesma coisa usar ser como cópula num juízo que dizer “o ser”. devido a estas e outras dificuldades, argumentou-se por vezes que a distinção entre ente e ser, pelo menos dentro da chamada “ontologia clássica”, é pouco menos que artificial, ou em todo o caso, insignificante. Alguns autores, contudo, insistem em que perguntar pelo ente e perguntar pelo ser não é a mesma coisa; o ente é “aquilo que é”, enquanto o ser é o fato de que qualquer ente dado seja. Especialmente desde o século treze, discutiu-se o que é o ente como “aquilo que é” ou “o ser que é”. À pergunta – o que é o ser? – respondeu-se que “o ente é aquilo que o intelecto concebe em primeiro lugar” (S. Tomás, SOBRE A VERDADE).
Nada se pode dizer do que é a não ser que o dizer se encontre já situado dentro da primeira e prévia apreensão do ente. O ente é aquilo que é. S. Tomás fala também do ser, mas para o definir em termos de ente, “o ser diz-se do ato do ente enquanto é ente” e estuda o ser como ser com a sua essência, como “aquilo que é” (enquanto é). O ente é o mais comum enquanto sujeito de apreensão. Ao mesmo tempo, é algo que transcende tudo o que é. Não pode definir-se por nenhum modo especial de ser – por nenhum ser “tal ou qual” – e por isso é um transcendental. Disse-se que, além de ser um transcendental, o ente é um super-transcendental; como transcendental, é o que é enquanto relativo ao real e, como super-transcendental, é o que é enquanto relativo não só ao ente real mas também ao ente de razão. Os escolásticos trataram em pormenor os problemas levantados por esta exposição. Por um lado, e se a noção de ente é comuníssima, o ente é tudo o que é como tal. Por outro lado, se ente é o real na sua realidade, o ente pode ser aquilo que sustém ontologicamente todos os entes. Finalmente, se o ente é tudo o que é ou pode ser, dever-se-á precisar de que modos distintos se diz de algo que é ente. Por exemplo, pode dividir-se o ente em ente real e de razão, em ente potencial e ente atual, e este último em essência e existência. Pode também estudar-se de que modo se pode falar do ente, análoga, unívoca, equivocadamente. A doutrina escolástica do ente culmina possivelmente em Suárez. Nas suas DISPUTAS METAS, Suárez estuda o ente não só como “aquilo que é”, mas também como a condição, ou condições, que tornam possível (e inteligível) qualquer ser. Disse-se, por isso, que a doutrina do ente desembocou num puro formalismo, enquanto o ente se definia como tudo aquilo a que não repugna a existência. Se isto acontece, o ente é então a mera possibilidade lógica. Como se disse no começo do artigo, Heidegger manifestou com particular ênfase que a questão do ser e a do ente não são iguais. A determinação do ente não é aplicável ao ser (O SER E O TEMPO). O ser é anterior aos entes. O que seja esse ser e como pode conseguir-se um acesso a ele é a grande questão de Heidegger se propôs deslindar. Só uma análise do homem enquanto é o ente que pergunta pelo ser pode abrir o caminho par a uma compreensão do sentido do ser. A clássica pergunta pelo ente ocultou a pergunta mais originária pelo ser. [Ferrater]