Mas há outros indícios mais graves do perigo de que o homem possa estar disposto e realmente esteja a ponto de converter-se naquela espécie animal da qual, desde Darwin, ele imagina descender. Se, para concluir, voltarmos uma vez mais à descoberta do ponto arquimediano e aplicá-lo, como Kafka advertiu que não o fizéssemos, ao próprio homem e ao que ele está fazendo neste planeta, torna-se imediatamente evidente que todas as suas atividades, vistas de um ponto de observação suficientemente remoto no universo, apareceriam não como atividades, mas como processos, de sorte que, como disse recentemente um cientista, a moderna motorização pareceria um processo de mutação biológica no qual os corpos humanos começam gradualmente a ser revestidos por uma carapaça de aço. Para o observador situado no universo, tal mutação não seria mais nem menos misteriosa que aquela que ocorre hoje diante de nossos olhos naqueles pequenos organismos vivos que combatemos com antibióticos e que misteriosamente produzem novas variedades para resistir a nós. Pode-se ver quão profundamente arraigado é esse uso do ponto arquimediano contra nós mesmos nas próprias metáforas que dominam atualmente o pensamento científico. O motivo pelo qual os cientistas podem falar da “vida” do átomo – no qual cada partícula tem, aparentemente, a “liberdade” de comportar-se como quiser, e onde as leis que governam esses movimentos são as mesmas leis estatísticas que, segundo os cientistas sociais, governam o comportamento humano e fazem a multidão comportar-se como tem de se comportar, por mais “livre” em suas opções que pareça cada partícula individual –, o motivo, em outras palavras, pelo qual o comportamento da partícula infinitamente pequena é não apenas semelhante, em sua forma, ao sistema planetário, tal como aparece a nós, mas se assemelha às formas de vida e de comportamento na sociedade humana é, naturalmente, que observamos essa sociedade e vivemos nela como se estivéssemos tão longe de nossa própria existência humana como estamos do infinitamente pequeno e do imensamente grande, os quais, mesmo que pudessem ser percebidos pelos instrumentos mais refinados, estão demasiado afastados de nós para fazer parte de nossa experiência. [ArendtCH:C45]