desconstrucionismo

Para compreendermos toda a discussão em torno daquilo que se apresentou, na linguagem neo-estruturalista de Derrida, como desconstrução, não podemos ficar retidos no paradigma estruturalista. Estamos diante de duas direções e hipóteses que vêm sugeridas pelo desconstrucionismo. De um lado, está fora de dúvida que o problema se apresentava nas análises da estrutura. Ela podia apresentar-se como linguística, antropológica ou cultural e diante desses diversos aspectos da estrutura se fazia necessária uma via que levasse para além da estrutura. Por esse primeiro caminho, a desconstrução possui uma vocação anti- estruturalista e podemos observar em Derrida uma proposta de pôr em movimento a estrutura por meio da decomposição, da dessedimentação e da desmontagem. O modelo da desconstrução era certamente tirado do universo linguistico, mas tinha como direção expor as camadas de sentido escondidas por baixo das palavras, dos conceitos e dos conjuntos vocabulares, sobretudo nos textos. Esse desconstrucionismo volta-se contra as estruturas fonocêntricas e logocêntricas representativas da presença de uma razão lógica onipotente. Assim como se apresentou, no início, o processo de desconstrução não pretendia ser um método, nem uma espécie de movimento contra as estruturas do mundo acadêmico. No processo da desconstrução estava presente um movimento oposto à tendência de universalização que se mostrava em cada discurso. Nesse sentido, ela possuí um caráter irredutivelmente singular que se volta para a singularidade do texto. A desconstrução trazia em si uma radical arbitrariedade, muito mais [138] próxima de um certo jogo aleatório a partir de um texto que se escreve e se lê. Ela constituía um processo divinatório aproximativo, resistente a regras que pudessem dirigir a interpretação. A desconstrução se apresentaria como uma afirmação dos elementos que não podiam ser atendidos pelos recursos da interpretação tradicional. Nesse sentido desconstrução se confrontava com o que representa o texto, a escritura, o signo, a sintaxe, a gramática e todos os corpus que pretendiam garantir a inteligibilidade e a universalidade por meio de regras. Desconstrução possuía, assim, nesse primeiro sentido, uma espécie de profundo caráter de exterioridade.

A desconstrução procurava apresentar-se com uma determinada procedência ou como tendo uma origem histórica. É assim que a desconstrução recorreu ao universo da Filosofia. Podemos observar em Derrida um apelo às origens husserlianas mediante a incorporação do sentido de Abbau, como dessedimentação de camadas de sentido. De outro lado, Derrida recorre ao termo Destruktion que Heidegger utiliza no começo de Ser e tempo. Naturalmente a tradução dessas duas palavras se faria por intermédio do termo desconstrução. Poderia representar primeiro apenas um expediente para garantir uma origem filosófica para um conceito que nascera no contexto linguístico, estruturalista. Assim como na crítica ao estruturalismo o conceito de desconstrução representava um movimento contra uma tradição que se firmara a partir de teorias linguísticas, assim também o recurso ao conceito de destruição em Heidegger iria trazer para a teoria da desconstrução uma crítica voltada contra a metafísica. Desse modo se encontraram duas direções críticas. Uma no interior das discussões sobre linguística, as relações entre significante e significado, e a outra no contexto de uma teoria do encobrimento do ser na história da metafísica. Esse segundo aspecto trouxe para a teoria da desconstrução uma justificação filosófica de caráter histórico e ontológico. A desconstrução em geral não poderia ser apenas um ato ou uma operação de um sujeito que propunha um novo dispositivo para enfrentar um texto ou uma leitura. Pelo contrário, pela Filosofia, a desconstrução iria se inserir num todo maior que vê, na metafísica logocentrista, uma história do esquecimento do ser. Desse modo, a tarefa de desconstruir um texto estava ligada a um acontecimento no qual se dá “a clausura do saber e a disseminação do sentido”.

[139] Surgia, dessa maneira, uma hipótese de trabalho crítico que pretendia possuir origens semelhantes à hermenêutica filosófica, movendo-se, no entanto, em direção oposta. A origem comum que liga desconstrução e hermenêutica apresenta apenas uma face. Esta tomou forma em ambas quando essas já existiam, pela procedência de seu trabalho com o texto, a escrita e a linguagem. O universo em que se movimenta Derrida, contudo, para chegar ao conceito de desconstrução, é o da tradição estruturalista e linguística francesa, enquanto a hermenêutica, assim como é apresentada por Gadamer, nasce no contexto do romantismo alemão e das teorias da linguagem e da interpretação.

Certamente, tanto a desconstrução quanto a hermenêutica têm como um de seus objetivos ir para além do universalismo logocêntrico. Em ambas pode-se observar a busca da singularidade do texto, seja pelo ato de desconstruir, seja pelo ato de interpretar. O modo como as duas direções se situam com relação à linguagem, contudo, é profundamente diferente. Isso acontece mesmo que ambos tenham encontrado, na ideia heideggeriana da destruição da ontologia e da história do ser como esquecimento, uma espécie de lugar históricoontológico, que lhes deveria garantir uma espessura filosófica.

Sem dúvida, encontramos na raiz heideggeriana comum ao desconstrucionismo e à hermenêutica o ponto de convergência que hoje os aproxima, sob certos ângulos, na discussão filosófica. Os efeitos que resultam das duas posições ao se confrontarem com a história da Filosofia, porém, não são os mesmos e representam o sintoma de algo profundamente diferente. A análise dessa diferença é que nos irá permitir a compreensão das possibilidades e dos limites das duas teorias. [ErStein2008:137-139]