dedução transcendental

(in. Transcendental deduction; fr. Déduction transcendental; al. Transzendentale Deduction; it. Deduzione trascendentalé).

Kant extraiu o termo dedução da linguagem jurídica, na qual significa a demonstração da legitimidade da pretensão que se formula. Nesse sentido, falou da “dedução da divisão de um sistema” como “prova de sua completitude e da sua continuidade” (Met. der Sitten, I, intr., § III, nota). Analogamente, para a justificação do uso dos conceitos puros, ou categorias, Kant julgou indispensável uma dedução (que, justamente por referir-se a conceitos puros, chamou de transcendental), que tivesse por fim demonstrar “o modo pelo qual os conceitos a priori podem referir-se a objetos”, e que, por isso, se distinguisse da “dedução empírica”, que mostra “de que modo um conceito é adquirido por meio da experiência e da reflexão sobre ela”. Desse modo, a dedução empírica diz respeito à posse de fato de um conceito, e a dedução transcendental, ao seu uso legítimo (Crít. R. Pura, § 13). A dedução transcendental consiste em mostrar como os objetos da experiência não seriam tais, ou seja, não seriam dados como objetos à experiência, se não fossem pensados segundo as categorias; e que o ato ou a função pela qual podem ser originariamente pensados nas categorias é o “eu penso”, ou percepção pura. Diferente da dedução transcendental é a dedução metafísica, que Fichte entendeu como demonstração sistemática de todas as proposições da filosofia. “Todo o demonstrável deve ser demonstrado, todas as proposições devem ser deduzidas, com exceção do princípio primeiro, supremo e fundamental, que é o Eu = Eu” (Wissenschaftslehre, 1794, § 7). Hegel atribuía o mérito dessa exigência a Fichte: “A filosofia fichteana cabe o profundo mérito de haver advertido para que as determinações do pensamento devem ser demonstradas em sua necessidade, que são essencialmente dedutíveis” (Ene, § 42). Nesse sentido, a dedução é a demonstração da necessidade de uma determinação; e toda a doutrina de Hegel se organiza em conformidade com essa exigência. [Abbagnano]


Na “analítica transcendental” da Crítica da Razão Pura, Kant usa u termodedução” na expressãodedução transcendental” no antigo sentido jurídico de “justificação” de direito ou prova legal, ao contrário da questão de fato. Há muitos conceitos empíricos que se usam sem justificação. Mas certos conceitos devem justificar-se legalmente, isto é, ser objeto, em termos kantianos, de “dedução transcendental”, são os conceitos puros do entendimento ou categorias.

Esses conceitos não podem ser simplesmente deduzidos de modo casual e empírico. Corresponde à sua natureza o serem deduzidos a priori, pois de outra maneira não teriam validade objetiva, isto é, não poderiam ser usados de tal forma que dessem origem a enunciados empíricos (enquanto enunciados que descrevem objetivamente o mundo como mundo fenomenológico). Trata-se de saber como as ideias subjectivas do pensamento podem possuir validade objetiva, isto é, como podem proporcionar as condições da possibilidade de todo o conhecimento de objetos”. Em rigor, trata-se de saber como podem constituir-se os objetos como objetos de conhecimento para fundamentar o conhecimento objetivo da realidade e, portanto, estabelecer as condições da validade da ciência.

Kant põe em relevo que as diversas representações que constituem o conhecimento (ou o material do conhecimento) devem estar de certo modo unidas, uma vez que, de outra maneira, não poderia falar-se propriamente de conhecimento. Essa união pode estudar-se do ponto de vista da atividade do sujeito cognoscente. A premissa fundamental é a a consciência da diversidade no tempo, a qual produz, por um lado, a consciência de um eu unificado (não um eu metafísico ou um eu empírico, mas um eu transcendental) e, por outro lado, a consciência de um algo que constitui o objeto enquanto objeto de conhecimento. Esta modificação opera-se mediante uma síntese da diversidade. A possibilidade desta está arreigada numa condição fundamental originária: a chamada “apercepção transcendental” ou pura. Esta apercepção não tem caráter subjectivo, mas caráter objetivo enquanto representa a condição para qualquer possível objetividade. A dedução transcendental tem precisamente como objeto mostrar as condições a priori da experiência possível em geral como condições da possibilidade dos objetos da experiência (enquanto objetos cognoscentes). não é uma imposição de algo subjectivo à realidade. Não é uma derivação lógica de um princípio. Não é uma indução efetuada a partir dos dados da experiência (os quais, precisamente, se trata de tornar inteligíveis como tais dados). É antes um modo de mostrar como se constitui o objeto como objeto de conhecimento, enquanto este objeto em geral se encontra ligado aos objetos reais empíricos.

Kant usa também a ideia de uma dedução transcendental na Crítica da Razão Prática. Nesta, trata-se de mostrar como é válida a lei moral, isto é, trata-se de justificar a lei moral. [Ferrater]


Kant se propõe a mostrar que as categorias (v. tabela de categorias) são as condições da possibilidade dos juízos sintéticos a priori na física; mas realmente seu propósito vai além. Propõe-se aqui explicar o fundo mesmo do seu pensamento filosófico. Pois bem; seu pensamento filosófico neste ponto essencial, acredito eu que se pode chegar a formulá-lo concisamente nesta frase que logo vou explicar: “Que as condições do conhecimento são ao mesmo tempo as condições da objetividade” ou “Que as condições do conhecimento são as mesmas que as condições da objetividade.”

Que quer dizer aqui Kant? Nós temos conhecimento1. O homem chegou a formar um conjunto sistemático de teses, de afirmações matemáticas (formuláveis em matemáticas), que expressam aquilo que as coisas reais são, como se movem, como são realizadas umas por outras, como umas são causas de outras, e as leis dessas causas. Desde Newton temos uma física matemática, que é a fiel expressão da realidade das coisas. Temos, pois, um conhecimento. Disso não se pode duvidar. Este é o ponto de partida de Kant. Temos um conhecimento (ou seja, universal e necessário) da natureza. Pois bem; que condições fazem possível esse conhecimento? Como pode haver esse conhecimento?

Pois necessitam dar-se as seguintes condições: é necessário haver objetos, porque sem objetos não há conhecimentos de objetos; é preciso que esses objetos que há tenham um ser, no sentido de essência, porque se os objetos que hão não tivessem um ser não haveria conhecimento, visto que o conhecimento é a elucidação do ser dos objetos; necessita-se que estes objetos que há e que têm um ser estejam relacionados entre si como causa e efeito, porque se não o estivessem, se os objetos entrassem, passassem, desaparecessem sem lei alguma de enlace entre eles, não haveria possibilidade de conhecimento. Em suma: tudo aquilo que as categorias nos dizem (que os objetos são uns, múltiplos, que podem agrupar-se em totalidades, que os objetos são substâncias com propriedades, causas com efeitos, efeitos com causas, que têm entre si ações e reações) todas essas são condições sem as quais não haveria conhecimento.

Pois bem; essas condições, sem as quais não haveria conhecimento, como as temos nós? Poder-se-ia dizer: é que essas categorias, que são as condições de todo conhecimento, nos vêm das coisas, são as coisas que nos presentearam as categorias, que nos dão as categorias. Porém isso é impossível; porque se fossem as coisas, ou seja, as impressões sensíveis, que estivessem encarregadas de dar-nos as categorias, ficaríamos sem categorias, porque as coisas não nos enviam nem a unidade, nem a pluralidade, nem a totalidade, nem a causa. O que nos enviam são impressões. Se tudo aquilo que há na ciência, se todas as condições do conhecimento tivessem que nos ser proporcionadas pelas impressões sensíveis que as coisas nos enviam, então teria razão Hume. As coisas não enviam mais do que impressões; sensíveis; as impressões sensíveis agrupar-se-iam em nossa mente como vivências puras de um modo casual, acidental, em virtude de associações de semelhança, de contiguidade, de contraste. Nós então não teríamos segurança alguma no conhecimento científico. Esperaríamos que o sol saísse amanhã pelo simples costume de tê-lo visto sair até agora, mas não por um fundamento real. Se, pois, fossem as intuições as encarregadas de nos proporcionar essas categorias, que são condições do conhecimento, não haveria conhecimento.

Visto que essas condições do conhecimento não podem nos advir das coisas, das impressões, porque as impressões não no-las podem dar, então somos nós que as pomos nas coisas. Não existem mais que estas duas possibilidades: ou essas formas categóricas a priori procedem das coisas ou procedem de nós. Não procedem das coisas? Então têm que proceder de nós. [Morente]
Na “analítica transcendental” da CRÍTICA DA RAZÃO PURA, Kant usa u termodedução” na expressãodedução transcendental” no antigo sentido jurídico de “justificação” de direito ou prova legal, ao contrário da questão de fato. Há muitos conceitos empíricos que se usam sem justificação. Mas certos conceitos devem justificar-se legalmente, isto é, ser objeto, em termos kantianos, de “dedução transcendental”, são os conceitos puros do entendimento ou categorias. Esses conceitos não podem ser simplesmente deduzidos de modo casual e empírico. Corresponde à sua natureza o serem deduzidos a priori, pois de outra maneira não teriam validade objetiva, isto é, não poderiam ser usados de tal forma que dessem origem a enunciados empíricos (enquanto enunciados que descrevem objetivamente o mundo como mundo fenomenológico). Trata-se de saber como as ideias subjetivas do pensamento podem possuir validade objetiva, isto é, como podem proporcionar as condições da possibilidade de todo o conhecimento de objetos”. Em rigor, trata-se de saber como podem constituir-se os objetos como objetos de conhecimento para fundamentar o conhecimento objetivo da realidade e, portanto, estabelecer as condições da validade da ciência. Kant põe em relevo que as diversas representações que constituem o conhecimento (ou o material do conhecimento) devem estar de certo modo unidas, uma vez que, de outra maneira, não poderia falar-se propriamente de conhecimento. Essa união pode estudar-se do ponto de vista da atividade do sujeito cognoscente. A premissa fundamental é a a consciência da diversidade no tempo, a qual produz, por um lado, a consciência de um eu unificado (não um eu metafísico ou um eu empírico, mas um eu transcendental) e, por outro lado, a consciência de um algo que constitui o objeto enquanto objeto de conhecimento. Esta modificação opera-se mediante uma síntese da diversidade. A possibilidade desta está arreigada numa condição fundamental originária: a chamada “apercepção transcendental” ou pura. Esta apercepção não tem carácter subjetivo, mas carácter objetivo enquanto representa a condição para qualquer possível objetividade. A dedução transcendental tem precisamente como objeto mostrar as condições a priori da experiência possível em geral como condições da possibilidade dos objetos da experiência (enquanto objetos cognoscentes). não é uma imposição de algo subjetivo à realidade. Não é uma derivação lógica de um princípio. Não é uma indução efetuada a partir dos dados da experiência (os quais, precisamente, se trata de tornar inteligíveis como tais dados). É antes um modo de mostrar como se constitui o objeto como objeto de conhecimento, enquanto este objeto em geral se encontra ligado aos objetos reais empíricos. Kant usa também a ideia de uma dedução transcendental na CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA. Nesta, trata-se de mostrar como é válida a lei moral, isto é, trata-se de justificar a lei moral. [DFW]