crítica

(in. Critique, fr. Critique, al. Kritik, it. Critica).

Termo introduzido por Kant para designar o processo através do qual a razão empreende o conhecimento de si: “o tribunal que garanta a razão em suas pretensões legítimas, mas condene as que não têm fundamento”. A crítica não é, pois, “a crítica dos livros e dos sistemas filosóficos, mas a crítica da faculdade da razão, em geral, com respeito a todos os conhecimentos aos quais ela pode aspirar independentemente da experiência”; portanto, também é “a decisão sobre a possibilidade ou impossibilidade de uma metafísica em geral e a determinação tanto de suas fontes quanto de seu âmbito e de seus limites” (Crít. R. Pura, Pref. à 1a ed.). A tarefa da crítica, portanto, é ao mesmo tempo negativa e positiva: negativa enquanto restringe o uso da razão; positiva porque, nesses limites, a crítica garante à razão o uso legítimo de seus direitos (Ibid., Pref. à 2a ed.). A crítica assim entendida afigurava-se a Kant como uma das tarefas de sua época ou, como diz ele habitualmente, da “Idade Moderna”; de fato, constituía a aspiração fundamental do Iluminismo, que, decidido a submeter todas as coisas à crítica da razão, não se recusava a submeter a própria razão à crítica, para determinar seus limites e eliminar de seu âmbito os problemas fictícios. Pode-se dizer que quem abriu esse caminho ao Iluminismo foi um de seus maiores inspiradores, Locke; este, segundo palavras contidas na Epístola ao leitor, a qual antecede o Ensaio sobre o entendimento humano, concebeu o Ensaio com a finalidade de “examinar as capacidades próprias do homem e verificar quais objetos seu intelecto é capaz ou não de considerar”. O Iluminismo adotou esse ponto de vista (v. coisa-em-si). O título que Kant pensara dar à Crítica da Razão Pura, ou seja, Os limites da sensibilidade e da razão (carta a Marcos Herz, de 7-VI-1771) exprime bem o significado que ficou ligado à palavra “crítica”. Contra esse significado, Hegel objetou que “querer conhecer antes de conhecer é absurdo, tanto quanto o é o prudente propósito de quem quer aprender a nadar antes de se arriscar a entrar na água” (Ene, § 10). Mas essa objeção é infundada, pois a crítica kantiana não age no vazio nem precede o conhecimento, mas atua sobre os conhecimentos de que o homem efetivamente dispõe, com o fim de determinar as condições de sua validade. Não se trata, portanto, de aprender a nadar fora da água, mas de analisar os movimentos do nado para determinar as possibilidades efetivas que ele oferece, comparando-as às outras, fictícias, que levariam ao afogamento. [Abbagnano]