convencionalismo

(in. Conventionalism; fr. Conventionalisme; al. Konventionalismus; it. Convenzionalismo).

Qualquer doutrina segundo a qual a verdade de algumas proposições válidas em um ou mais campos se deva ao acordo comum ou ao entendimento (tácito ou expresso) daqueles que utilizam essas proposições. A antítese entre o que é válido “por convenção” e o que é válido “por natureza” já era familiar para os gregos. Demócrito diz: “O doce, o amargo, o quente, o frio, a cor são tais por convenção; só os átomos e o vácuo são tais em verdade” (Fr. 125, Diels). O seu oposto, aplicado ao campo político, foi tema habitual dos sofistas, sobretudo da última geração, que encontram eco nos Diálogos de Platão. Pólos, em Górgias, Trasímaco, na República, sustentam que as leis humanas são pura convenção, cujo objetivo é impedir que os mais fortes tirem proveito do direito natural que lhes dá a força. É da natureza que o mais forte domine o mais fraco; e isso acontece de fato quando um homem dotado de natureza idônea rompe as cadeias da convenção e de servo se torna senhor (Górg., 484 A). Para os céticos, a lei moral e jurídica eram convenção (Sexto Empírico, Pirr. hyp., I, 146). O contratualismo dos sécs. XVII e XVIII tornou familiar a ideia de que o Estado e, em geral, a comunidade civil, bem como as normas e os valores que dela se originam, são produtos de um contrato ou convenção originária. Aludindo a essa doutrina. Hume notava que a convenção, nesse sentido, deve não ser entendida como promessa formal, mas como “um sentimento de interesse comum que cada um encontra em seu coração” (Lnq. Cone. Morais, Ap. 3); e acrescentava: “Assim, dois homens movem as velas de um barco em comum acordo para o interesse comum, sem qualquer promessa ou contrato; assim, o ouro e a prata foram adotados como medida para as trocas; assim, o discurso, as palavras, a língua estão fixados pelas convenções e pelo acordo humano” (Lbid., Ap. 3). Com tais palavras, talvez pela primeira vez, o conceito de convenção era utilizado fora do campo político.

Mas a extensão do convencionalismo para o domínio cognitivo só ocorre na segunda metade do séc. XX, quando, com a descoberta das geometrias não euclidianas, o caráter de verdade evidente dos axiomas geométricos foi negado. Diz Poincaré: “Os axiomas geométricos não são juízos sintéticos apriorinem fatos experimentais; são convenções. Nossa escolha entre todas as convenções possíveis é guiada por fatos experimentais, mas continua livre e é limitada apenas pela necessidade de evitar a contradição” (La science et l’hypothèse, II, cap. III). O mesmo Poincaré recusava-se, porém, a atribuir caráter convencional à ciência toda e contestou Le Roy, no que se refere a essa extensão do convencionalismo (La valeur de la science, 1905).

Contudo, o desenvolvimento posterior da matemática permitiu estender o ponto de vista de Poincaré a toda essa disciplina. A obra de Hilbert induzia a ver na matemática sistemas hipotético-dedutivos nos quais se deduzem consequências implícitas em certas proposições originárias ou axiomas, segundo regras que os próprios axiomas definem, implícita ou explicitamente. A tese fundamental do convencionalismo moderno podia ser assim formulada: as proposições originárias, de que parte qualquer sistema dedutivo, são convenções. O que quer dizer: 1B não podem ser consideradas verdadeiras nem falsas; 2a podem ser escolhidas com base em determinados critérios que deixam, entretanto, certa liberdade de escolha. Graças ao Círculo de Viena e do empirismo lógico, o convencionalismo assumia a forma que tem, atualmente, de tese geral sobre a estrutura lógica da linguagem. A Visão lógica do mundo de Rudolf Carnap (1928) constitui a primeira exposição dessa tese, que, no entanto, fora preparada pelo Tractatus logico-philosophícus de Wittgenstein. “A lógica”, diz Carnap, “incluindo-se nela a matemática, consiste em estipulações convencionadas sobre o uso de signos e tautologias que se baseiam nessas convenções” (Logische Aufbau der Welt, § 107). A essa tese Carnap deu depois o nome de “princípio de tolerância das sintaxes”, porque se trata de um princípio que, ao mesmo tempo em que torna inoperantes todas as proibições, aconselha a estabelecer distinções convencionais. “Em lógica”, diz ele, “não há moral. Cada um pode construir como quiser a sua lógica, isto é, a sua forma de linguagem. Se quiser discutir conosco, deverá apenas indicar como quer fazê-lo, dar determinações sintáticas em vez de argumentos filosóficos” (Logische Syntax der Sprache, 1934, § 17). Hoje, pode-se dizer que essa tese é amplamente aceita, mesmo fora do empirismo lógico. A segunda obra de Wittgenstein, Investigações filosóficas (1953), levou isso ao extremo, afirmando que qualquer linguagem é uma espécie de “jogo” que parte de determinados pressupostos de natureza convencional, reconhecendo a fundamental equivalência dos jogos linguísticos. Deixando de lado esta última tese e considerando o convencionalismo dentro dos limites em que geralmente é mantido, ou seja, o campo da estrutura lógica da linguagem, cabe ressaltar o fato de que ele não implica absolutamente, como às vezes se acredita, a perfeita arbitrariedade das convenções linguísticas. Podem ser assim resumidos os pontos básicos do convencionalismo contemporâneo:

1) a escolha das proposições iniciais de um sistema dedutivo (axiomas [v.] ou postulados [v.]) deve obedecer a critérios limitativos, cujo objetivo é garantir a possibilidade de repropor a escolha com vistas ao desenvolvimento dedutivo;

2) a determinação das regras de dedução, operações e procedimentos também está sujeita a uma escolha limitada, sempre com vistas à possibilidade de repropor tais regras, procedimentos ou operações;

3) as escolhas de que se fala nos números 1 e 2 constituem: a) objetivamente, o campo de investigação comum em que os pesquisadores podem mover-se; b) subjetivamente, o compromisso dos pesquisadores. [Abbagnano]