Ao descrever a vida intencional distingue Husserl entre o ato ou função objetiva de visar, ou noese, e o objeto ou noema que, do ponto de vista fenomenológico nada mais é do que correlato da noese. A fenomenologia foi nos primeiros tempos apenas uma ciência descritiva da correlação noese–noema (v. noese e noema) ou cogito-cogitatum. O «correlativismo» era filosoficamente neutro, não continha nenhuma afirmação ontológica ou metafísica. Husserl abandonou este ponto de vista para, graças ao conceito de «constituição», transitar para o que denominou idealismo transcendental. De um modo muito breve diremos que, nesta orientação, o noema não é mero correlato da noese, mas «constituído» por esta. Embora seja difícil discriminar os matizes de significado do conceito de constituição, a partir do ano de 1927 Husserl considerou-a como Leistung, o que se pode traduzir por prestação, efetivação. Graças a essa Leistung é que uma coisa determinada pode existir para o ego transcendental (ou para a comunidade dos egos transcendentais), ter o valor de um ente. O fenômeno, neste idealismo transcendental, será pois aquilo que tem para mim (ou para nós) a validade de ente, porque na medida em que sou um ego transcendental (ou somos uma comunidade de egos transcendentais) é que efetuo (ou efetuamos) certas prestações constituintes. Deste modo é que surge um mundo. Quer dizer, para Husserl a noção de fenômeno é sempre a negação de qualquer atitude fenomenista e constitui o plano, penosamente conquistado pela redução fenomenológica, o plano transcendental, fundamentum absolutum et inconcussitm sobre o qual assenta, com evidência apodítica, uma filosofia rigorosa, partindo dos problemas da constituição do objeto em geral, passando pelas grandes ontologias regionais do ser material, do ser vivo, do ser espiritual, até ao problema de uma possível metafísica e de uma teologia filosófica e à teleologia da vida intencional e da história. Assim se poderia realizar — é crença de Husserl — a ideia, posta primeiramente por Platão, de uma filosofia como ciência única, universal e plenamente fundamentada, a que Descartes impôs uma viragem radical no sentido de uma apoditicidade egológica, através da fenomenologia transcendental, que tem por missão esclarecer criticamente as ciências particulares, tanto fatuais como a priori, e assim transformá-las em ramos da filosofia como ciência universal. [Morujão]