Vamos reencontrar essa ideia de objeto sob a forma do critério ou do ideal de objetividade, considerado como característico da démarche científica. Um dos méritos essenciais que atribuímos ao conhecimento científico é justamente o de constituir um conhecimento objetivo. E muitos consideram que somente a atitude científica torna possível esse tipo de conhecimento. Mas o que é objetividade? Antes de tudo, um estado de separação. Um conhecimento é considerado objetivo, na medida em que é independente do modo como ele foi obtido, dos instrumentos e dos procedimentos pelos quais um sujeito pensante o elaborou.
No domínio do “conhecimento objetivo”, o resultado pode ser totalmente separado do método que serviu para sua obtenção; uma vez adquirido um novo conhecimento, podemos retirar todos os andaimes, só permanecendo a pura realidade “objetiva”, colocada diante do sujeito. Portanto, “objetividade” implica separação, distanciamento, corte entre o sujeito e o objeto. Por isso mesmo, a objetividade é a colocação, entre parênteses, das significações vividas e de tudo o que há de poético em nossa experiência do mundo. Correlativamente, paralela a essa colocação entre parênteses, a “objetividade” implica uma transformação interna do próprio objeto que se exprime pela distinção entre as qualidades primeiras e as qualidades segundas.
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Todavia, precisamos levar em conta os diversos questionamentos a que foi submetida a ideia de objetividade na época contemporânea. Foi, antes de tudo e fundamentalmente, no contexto das ciências humanas que a ideia de conhecimento objetivo se viu contestada. Não nos é possível evocar aqui, nem mesmo em termos gerais, os enormes problemas epistemológicos levantados pelas ciências humanas. Limitar-nos-emos a lembrar uma observação que se tornou bastante corrente: quando se trata de analisar os fatos humanos, individuais ou sociais, o pesquisador não pode colocar entre parênteses sua própria situação, pois ele se encontra necessariamente implicado em seu objeto de estudo; ademais, no domínio dos fenômenos humanos, a compreensão dos fatos engaja necessariamente interpretações que sempre são feitas a partir de um ponto de vista determinado e que, por conseguinte, num certo sentido, encontram-se impregnadas de objetividade.
Contudo, independentemente das questões epistemológicas próprias às ciências humanas, acontece que, mesmo na física, vamos encontrar problemas graves concernentes à ideia de objetividade. Vamos nos contentar, aqui, em evocá-los rapidamente. Esses problemas foram colocados, sobretudo, no contexto da mecânica quântica. Podemos interpretar os resultados obtidos nas experimentações realizadas no domínio quântico, sem permitirmos a intervenção, senão do sujeito transcendental, pelo menos de uma instância exterior ao sistema estudado? Se respondermos de modo negativo a essa questão, seremos levados a fazer uma revisão bastante radical das concepções que se encontram na base da ciência dita “clássica”.
Portanto, nos dias de hoje, há um certo estremecimento da ideia de objetividade. Não obstante, podemos constatar que muitos cientistas importantes continuam a pensar que a objetividade constitui um caráter essencial da ciência. O exemplo de Jacques Monod é particularmente representativo (Cf. Le hasard et la necessite, Paris, Seuil, 1970, notadamente o capítulo IX). Ele faz daquilo que chama de o postulado do conhecimento objetivo, não somente a mola da atividade científica, mas também a base daquilo que lhe parece constituir a única atitude ética plenamente autêntica. Com efeito, para ele, há uma decisão é ética na base da ciência: esta decisão é, justamente, o pressuposto (parti-pris) da objetividade, a aceitação decidida do postulado do conhecimento objetivo. Praticamente, no domínio da biologia, esta atitude se traduz pela ideia de que devemos abandonar toda espécie de consideração finalista. Monod acredita que as considerações desse tipo são antropomórficas; portanto, dependentes de uma interpretação subjetiva; enquanto tais, se opõem diametralmente ao ideal de objetividade.
A busca da objetividade, mesmo que encontre certas dificuldades, como acabamos de assinalar, acarreta várias consequências metodológicas importantes.
1) Uma primeira consequência é a analiticidade.
2) Este parti-pris em favor da analiticidade se faz acompanhar de um outro em favor de causalidade no sentido estrito.
3) Uma terceira consequência metodológica do postulado de objetividade é o reducionismo.
4) Enfim, a quarta consequência epistemológica do postulado de objetividade é a empiricidade.
Estas são algumas características, estreitamente ligadas entre si, que parecem decorrer dos pressupostos da metafísica da representação. E desempenham um papel particularmente decisivo no que se refere às ciências da vida. Poderíamos ilustrar isso com um exemplo bastante típico: o problema da emergência. Quando passamos de estruturas menos complexas a estruturas mais complexas, novas propriedades aparecem; e podemos caracterizar essa novidade falando de emergência. Segundo o ponto de vista evocado acima, esforçamo-nos por explicar as qualidades emergentes por redução, vale dizer, fazendo-as aparecerem como efeitos resultantes dos processos que ocorrem nas estruturas do nível imediatamente inferior. Claro que não temos mais hoje um reducionismo puramente mecanicista. Começamos a criar instrumentos intelectuais apropriados para pensar a complexidade enquanto tal. Contudo, o esquema diretriz da compreensão permanece vinculado à ideia de objetividade. Em definitivo, encontramo-nos sempre e, de certa forma mais do que nunca, na metafísica da representação. (v. metafísica heideggeriana) [Ladrière]