(gr. ἔλεος [eleos]; lat. commiseratio; in. Pity; fr. Compassion; al. Mitleid; it. Compassioné).
Participação no sofrimento alheio como algo diferente desse mesmo sofrimento. Essa última limitação é importante porque a compaixão não consiste em sentir o mesmo sofrimento que a provoca. A emoção provocada pela dor de outra pessoa pode chamar-se compaixão só se for um sentimento de solidariedade mais ou menos ativa, mas que nada tem a ver com a identidade de estados emocionais entre quem sente compaixão e quem é comiserado. Aristóteles definiu a compaixão como “a dor causada pela visão de algum mal destrutivo ou penoso que atinge alguém que não mereça e que pode vir a atingir-nos ou a alguém que nos seja caro” (Ret., II, 8, 1385 b). Essa definição é repetida quase literalmente por Hobbes (Leviath., I, 6), Descartes (Pass. de l’âme, III, § 185) e por Spinoza (Et, III, 22 scol.). Segundo Adam Smith, a compaixão é um caso típico da simpatia que constitui a estrutura de todos os sentimentos morais (Theory of Moral Sentiments, III, 1). Para Schopenhauer, a compaixão é a própria essência do amor e da solidariedade entre os homens, porque amor e solidariedade explicam-se somente a partir do caráter essencialmente doloroso da vida (Die Welt, I, §§ 66-67).
Em oposição a essa tradição, há uma outra que vê na compaixão um elemento negativo da vida moral. Essa segunda tradição inicia-se com os estoicos (Stobeo, Ecl., II, 6, 180) e passa por Spinoza. Este considera que “no homem que vive segundo a razão a compaixão é, por si mesma, ruim e inútil”, porque nada mais é que dor; por isso “o homem que vive segundo a razão esforça-se o máximo possível para não ser tocado pela compaixão”, bem como tampouco pelo ódio, pelo riso ou pelo desprezo, porque sabe que tudo deriva da necessidade da natureza divina (Et., IV, 50, corol. scol.). Essa apreciação encontra expressão extrema nas invectivas de Nietzsche contra a compaixão: “Esse instinto depressivo e contagioso debilita os outros instintos que querem conservar e aumentar o valor da vida; é uma espécie de multiplicador e de conservador de todas as misérias, por isso um dos instrumentos principais da decadência do homem” (Anti-cristo, Ap. 7). O traço comum dessas condenações da compaixão é considerá-la como miséria ou dor em si mesma; aliás, segundo a expressão de Nietzsche, como algo que conserva ou multiplica a miséria e a dor. Scheler apontou o equívoco desse pressuposto que, na verdade, confunde a compaixão (que é simpatia e participação emotiva) com o contágio emotivo. Pelo contrário, observa Scheler, “a compaixão está ausente sempre que houver contágio do sofrimento, pois então o sofrimento não será mais de outro, mas meu, e eu acredito poder subtrair-me a ele evitando o quadro ou o aspecto do sofrimento em geral” (Sympathie, cap. II, § 3). Foi justamente essa advertência fundamental que tivemos em mente ao caracterizarmos a compaixão no princípio desse verbete. [Abbagnano]
[…] tenho de lembrar o fato de termos encontrado o sofrimento como essencial e inseparável da vida em seu todo e termos visto como cada desejo nasce de uma necessidade, de uma carência, de um sofrimento, por conseguinte toda satisfação é apenas um sofrimento removido, de maneira alguma uma felicidade positiva acrescida. Vimos ainda que, em realidade, as alegrias mentem ao desejo, ao afirmarem que seriam um bem positivo quando em verdade // são de natureza meramente negativa, tão-somente o fim de um padecimento. Nesse sentido, não importa o que a bondade, o amor e a nobreza de caráter possam fazer pelos outros, tem-se aí sempre apenas o alívio dos sofrimentos; conseguintemente, o que pode mover a bons atos, a obras de amor é sempre e tão-somente o CONHECIMENTO DO SOFRIMENTO ALHEIO, compreensível imediatamente a partir do próprio sofrimento e posto no mesmo patamar deste. Daí, no entanto, segue-se o seguinte: o amor puro (agape, caritas), em conformidade com sua natureza, é compaixão; e o sofrimento que ele alivia, ao qual pertence todo desejo insatisfeito, tanto pode ser grande quanto pequeno. Em consequência, não hesitaremos, contradizendo KANT diretamente — que só quer reconhecer toda verdadeira bondade e toda virtude se elas provêm da reflexão abstrata, e em verdade do conceito de dever e imperativo categórico, explanando ele a compaixão sentida como uma fraqueza e de modo algum uma virtude — não hesitaremos, ia dizer, em declarar contra Kant que o mero conceito é infrutífero para a autêntica virtude, assim como o é para a arte. Todo amor puro e verdadeiro é compaixão. Todo amor que não é compaixão é amor–próprio. Amor–próprio é eros, compaixão é agape. A mescla de ambos é frequente. Até mesmo a amizade autêntica é sempre uma mescla de amor–próprio e compaixão: o amor–próprio reside no bem–estar da presença do amigo, cuja individualidade corresponde à nossa, o que constitui quase sempre a maior parte da amizade; já a compaixão se mostra na participação sincera no bem ou no mal–estar do amigo e nos sacrifícios desinteressados feitos em seu favor. Até mesmo Espinosa diz: Benevolentia nihil aliud est, quam cupiditas ex commiseratione orta (Eth. III, pr. 27, cor. 3, schol.; “A benevolência nada é senão um desejo nascido da compaixão.” [N.T.]) Como prova de nossa sentença paradoxal pode-se observar, que os tons e as palavras da linguagem, bem como as ternuras do puro amor, coincidem totalmente com o tom da compaixão. De passagem também se mencione que, em italiano, compaixão e amor puro são expressos com a mesma palavra, pietà. [Schopenhauer, MVR1:477-478]