A incapacidade de controlar o incessante discurso (a co-agitatio) dos fantasmas interiores está entre os traços essenciais da caracterização patrística da acídia. Todas as Vitae patrum (Patrologia latina, 73) ecoam o grito dos monges e dos anacoretas que a solidão confronta com o monstruoso e proliferante discurso da fantasia: “Domine, salvari desidero, sed cogitationes variae non permittunt” [“Senhor, desejo a salvação, mas fantasias várias não o permitem”]; “Quid faciam, pater, quoniam nulla opera facio monachi, sed in negligentia constitutus comedo et bibo et dormio, et de hora in horam transgredior de cogitatione in cogitationem…” [“O que farei, pai, pois não realizo obra alguma de monge, mas tomado pela negligência, como e bebo e durmo, e, de hora em hora, passo de fantasia em fantasia”]. Convém esclarecer que cogitatio, na linguagem medieval, sempre se refere à fantasia e ao seu discurso fantasmático; só com o ocaso da concepção grega e medieval do intelecto soberano, cogitatio começa a designar a atividade intelectual. Veremos depois que tal hipertrofia da imaginação é uma das características que aproxima a acídia dos Padres à síndrome melancólica e ao amor-enfermidade da medicina humoral; assim como estas, a preguiça poderia ser definida como vitium corruptae imaginationis [vício da imaginação corrupta].
Sob o efeito da depressão melancólica, de uma doença ou de uma droga, qualquer um que tenha provado essa desordem da fantasia sabe que o fluxo incontrolável das imagens interiores é, para a consciência, uma das provas mais árduas e arriscadas. Flaubert, tendo sofrido por toda a juventude de uma desordem atroz da imaginação, representou na sua obra mais pretensiosa a condição de uma alma às voltas com as “tentações” da fantasia. A descoberta, familiar à mística de qualquer localidade, de uma possível polaridade positiva implícita na convivência habitual com os fantasmas foi, como veremos, um acontecimento de grande importância na história da cultura ocidental.
Uma das raríssimas tentativas modernas de se construir algo correspondente à fantasmologia medieval deve-se àquela singular mescla de genialidade e de idiotismo que foi Léon Daudet (autor muito caro a Walter Benjamin), cuja análise dos fantasmas interiores (definidos personimages) proporciona uma verdadeira teoria biológica do espírito humano como “sistema de imagens e de figuras congênitas”, que mereceria ser desenvolvida. Sob essa perspectiva, é de grande interesse a leitura dos seus Le monde des images (1919) e Le rêve éveillé (1926), obras que já não se encontram mais. [AgambenE:25-26 Nota]