E se nos perguntarmos por que as diferentes ciências se desprenderam da filosofia, encontramos o seguinte: que uma ciência se desprendeu do velho tronco da filosofia quando conseguiu circunscrever um pedaço no imenso âmbito da realidade, defini-lo perfeitamente e dedicar exclusivamente sua atenção a essa parte, a esse aspecto da realidade.
Assim, por exemplo, pertencem à realidade o número e a figura. As coisas são duas, três, quatro, cinco, seis, mil ou duas mil; coisas são triângulos, quadrados, esferas. Mas desde o momento em que se separa o “ser número”, ou o “ser figura”, dos objetos que o são, e se convertem a numerosidade e a figura (independentemente do objeto em questão) em termos do pensamento; quando se circunscreve este pedaço de realidade e se consagra atenção especial a ela, ficam constituídas as matemáticas como uma ciência independente e se separam da filosofia.
Se depois outro pedaço da realidade, como são, por exemplo, todos os corpos materiais em suas relações recíprocas, se destacam como um objeto preciso de pesquisa, então se constitui a ciência física.
Quando os corpos, em sua constituição íntima, em sua síntese de elementos, se destacam também como objetos de pesquisa, constitui-se a química.
Quando a vida dos seres viventes, animais e plantas, se circunscreve e se separa do resto das coisas que são, e sobre ela se lança o estudo e o olhar, então se constitui a biologia.
O que aconteceu? Pois aconteceu que grandes setores do ser em geral, grandes setores da realidade, constituíram-se em províncias. E por que se constituíram em províncias? Pois precisamente porque prescindiram do resto; porque deliberadamente se especializaram; porque deliberadamente renunciaram a ter o caráter de objetos totais, isto é, que uma ciência deixa a filosofia quando renuncia a considerar seu objeto de um ponto de vista universal e totalitário.
A ontologia não recorta na realidade um pedaço para estudá-lo, ela sozinha, esquecendo o demais, mas antes tem por objeto a totalidade do ser. A metafísica forma também parte da ontologia. A teoria do conhecimento refere-se a todo conhecimento de todo ser.
Assim, pois se agora fazemos uma pequena pausa, nos detemos em nosso caminho e realizamos o que dizia no começo, ou seja uma tentativa de definição, embora rápida, da filosofia, poderíamos dizer o seguinte, (e agora o diremos com plena vivência): a filosofia é a ciência dos objetos do ponto de vista da totalidade, enquanto que as ciências particulares são os setores parciais do ser, províncias recortadas dentro do continente total do ser. A filosofia será, pois, nesse primeiro esboço de definição — seguramente falso, seguramente esquemático, mas que para nós agora tem sentido — a disciplina que considera o seu objeto sempre do ponto de vista universal e totalitário. Enquanto que qualquer outra disciplina, que não seja a filosofia, o considera de um ponto de vista parcial e derivado. [Morente]