ciência eidética

VIDE eidética

Verifica-se por conseguinte a possibilidade de conferir a esta ciência eidética sua validade. As incertezas da ciência, sensíveis já para as ciências humanas, mas que ao cabo atingem aquelas que serviam de modelo, físico e matemático, têm sua origem numa cega preocupação experimental. Antes de fazer física é necessário estudar o que é o fato físico, sua essência. O mesmo se pode dizer quanto às outras disciplinas. Da definição do eidos tomado pela intuição originária, poder-se-á tirar as conclusões metodológicas que orientarão a pesquisa empírica. Por exemplo, é claro que nenhuma psicologia empírica séria pode ser empreendida se a essência do psíquico não foi estabelecida de maneira a evitar qualquer confusão com a essência do físico. Em outros termos, é necessário definir as leis eidéticas que guiam qualquer conhecimento empírico; esse estudo constitui a ciência eidética em geral, ou então ontologia da natureza (isto é estudo do esse ou essência); essa ontologia foi tomada em sua verdade como prolegômeno à ciência empírica correspondente, por ocasião do desenvolvimento da geometria e do papel que ela desempenhou no saneamento do conhecimento físico. Todas as coisas naturais têm, como essência, efetivamente, ser especial e a geometria é a eidética do espaço: mas ela não abarca toda a essência da coisa, daí o surto de novas disciplinas. Podemos pois distinguir hierarquicamente, a partir do empírico: 1) essências materiais (a do vestiário, por exemplo) estudadas por ontologias ou ciências eidéticas materiais; 2) essências regionais (objeto cultural) coroando as precedentes e explicitadas por eidéticas regionais; 3) a essência do objeto em geral, segundo a definição dada precedentemente, cujo estudo é feito por uma ontologia formal (A hierarquia é evidentemente em rede e não unilinear). Essa última essência que coroa todas as essências regionais é uma “pura forma eidética” e a “região formal” que ela determina não é uma região coordenada pelas regiões materiais mas “a forma vazia de região em geral”. Essa ontologia formal é identificável à lógica pura; é a mathesis universalis, ambição de Descartes e de Leibniz. É claro que essa ontologia deve definir não só a noção de teoria em geral, mas todas as formas de teorias possíveis (sistema da multiplicidade).

Tal é o primeiro grande movimento do intento husserliano. Ele se apoia no fato, definido como “estarindividual e contingente”; a contingência do fato remete à essência necessária pois pensar a contingência é pensar que pertence à essência desse fato poder ser diferente do que é. A facticidade implica, portanto, numa necessidade. Esse propósito retoma aparentemente o platonismo e sua “ingenuidade”. Mas contém igualmente o cartesianismo porque se esforça por fazer do conhecimento das essências não o fim de todo conhecimento mas a introdução necessária ao conhecimento do mundo material. Nesse sentido a verdade da eidética reside no empírico, razão por que essa “redução eidética”, pela qual fomos levados a passar da facticidade contingente do objeto ao seu conteúdo inteligível pode ser também chamada “mundana”. A cada ciência empírica corresponde uma ciência eidética concernente ao eidos regional dos objetos estudados por ela e a própria fenomenologia é definida, nessa etapa do pensamento husserliano, como ciência eidética da região consciência; em outras palavras, em todas as ciências empíricas do homem (Geistwissenschaften) se encontra implícita necessariamente uma essência da consciência e é essa implicação que Husserl tenta articular em Ideen II. [Lyotard]