ciência da história

A história considero-a eu o estudo, cientificamente conduzido, das diversas atividades e das diversas criações dos homens de outrora, apreendidas na sua data, no quadro de sociedades extremamente variadas, e no entanto comparáveis umas às outras (é o postulado da sociologia), com que encheram a superfície da Terra e a sucessão das idades. Definição um pouco longa: mas não me fio em definições breves de mais, miraculosamente breves de mais. E esta afasta, ao que me parece, pelos seus próprios termos, muitos falsos problemas.

Assim é que, primeiramente, qualifico a história de estudo cientificamente conduzido, e não de ciência — pela mesma razão que, ao traçar o plano da Encyclopédie Française, não quis dar-lhe por base, como os ritos exigiam, uma classificação geral das ciências; sobretudo pela razão de que falar de ciências é, antes de mais, evocar a ideia de uma soma de resultados, de um tesouro, por assim dizer, mais ou menos bem provido de moedas, umas preciosas, outras não; e não vincar o que é a mola motora do sábio, quer dizer, a inquietação, um pôr-de-novo-em-causa, não perpétuo e maníaco, mas raciocinado e metódico, das verdades tradicionais — a necessidade de retomar, de refundir, de repensar quando preciso, e sempre que preciso, os resultados adquiridos para os readaptar às concepções e, assim, às condições novas de existência que o tempo e os homens, os homens no quadro do tempo, incessantemente forjam.

E, por outro lado, eu digo os homens. Os homens, único objeto da história — de uma história que se inscreve no grupo das disciplinas humanas de todas as ordens e de todos os graus, ao lado da antropologia, da psicologia, da linguística, etc.; de uma história que não se interessa não sei por que homem abstrato, eterno, imutável no seu fundo e perpetuamente idêntico a si mesmo — mas pelos homens sempre tomados no quadro das sociedades de que são membros, pelos homens membros dessas sociedades, numa época bem determinada do seu desenvolvimento; pelos homens dotados de funções múltiplas, de atividades diversas, de preocupações variadas — as quais se misturam, se chocam, se contrariam e acabam por concluir entre si uma paz de compromisso, um modus vivendi que se chama a vida. […]

História, ciência do homem, nunca o esqueçamos, ciência da mudança perpétua das sociedades humanas, do seu perpétuo e necessário reajustamento a condições novas de existência material, política, moral, religiosa, intelectual. Ciência desse acordo que se negocia, dessa harmonia que se estabelece perpétua e espontaneamente, em todas as épocas, entre as condições diversas e sincrônicas de existência dos homens: condições materiais, condições técnicas, condições espirituais. [Lucien Febvre, Mélanges d’Histoire Sociale, m, 1943, pp. 6-16.]