choro

Weinen

Aqui também é o lugar para a elucidação de uma peculiaridade das mais notáveis da natureza humana, a saber, o CHORO, que, como o riso, pertence às exteriorizações que distinguem o humano do animal. O choro de modo algum é expressão direta de dor, pois ocorre até mesmo onde as dores são mínimas. Do meu ponto de vista, inclusive, nunca se chora imediatamente em virtude de uma dor sentida, mas somente devido à sua repetição na reflexão. A pessoa passa de uma dor sentida, mesmo que ela seja corpórea, para uma mera representação da mesma, e acha então o próprio estado tão digno de compaixão que, se outrem fosse o sofredor, estaria firme e sinceramente convencida a ajudá-lo com plena compaixão e amor: entretanto, Somos nós mesmos o objeto da compaixão: com a disposição de caráter mais caridosa, precisamos nós mesmos de ajuda; sentimos que suportamos mais do que poderíamos ver outrem suportar. Nessa notável e complexa disposição, na qual o sofrimento imediatamente sentido só chega à percepção através de um duplo desvio, vale dizer, o sofrimento é representado como alheio, e como tal objeto de compaixão, e depois subitamente percebido imediatamente como nosso de novo – a natureza logra alívio ao servir-se dessa curiosa convulsão física chamada choro. – O CHORO é, por conseguinte, COMPAIXÃO CONSIGO MESMO ou a compaixão que retorna ao seu ponto de partida. É, pois, condicionado tanto pela capacidade de amar e compadecer-se quanto pela fantasia: eis por que pessoas duras de coração ou sem fantasia não choram facilmente, e o choro é sempre visto como signo de certo grau de bondade de caráter, e desarma a cólera, pois sente-se que quem ainda pode chorar também tem de ser necessariamente capaz de amor, ou seja, de compaixão pelo outro, justamente porque a compaixão, conforme descrito, passa a fazer parte daquela disposição que produz o choro. – Em total concordância com a explanação aqui feita é a descrição que Petrarca, ao expressar de maneira ingênua e verdadeira seu sentimento, faz da origem de suas lágrimas:

I vo pensando: e nel pensar massale
Una pietà si forte di me stesso,
Che mi conduce spesso,
Ad alto lagrimar, chi non soleva. [“Enquanto ando cheio de pensamentos / Assalta-me uma compaixão tão forte para comigo mesmo, / Que com frequência tenho de chorar alto, / Algo que do contrário não estou acostumado.” (N. T.)]

O que dissemos também confirma-se no fato de crianças, ao sofrerem um ferimento, só chorarem, na maioria das vezes, quando se lastima o seu acidente, logo, choram não em virtude da dor, mas da representação dela. – Quando nos comovemos e choramos não por sofrimentos próprios, mas alheios, isso ocorre devido ao fato de na fantasia nos colocarmos vivamente no lugar do sofredor, ou, também, mirarmos em seu destino a sorte de toda a humanidade, consequentemente antes de tudo a nossa; portanto, por um longo desvio, sempre choramos de novo por nós mesmos, somos nosso próprio objeto de compaixão. Esse também parece ser um fundamento capital do choro universal, portanto natural, nos casos de morte. Não é uma perda o que chora o enlutado: tais lágrimas egoístas antes o envergonhariam; ao contrário, às vezes o que envergonha em tais ocasiões é não chorar. Em verdade, o enlutado sem dúvida chora primeiramente a sorte do morto; contudo, também chora quando para este, após um longo, duro e incurável sofrimento, a morte foi uma desejável salvação. De fato, em realidade assalta-lhe compaixão pela sorte da humanidade inteira, entregue à finitude, devido à qual toda vida, por mais esforçada e rica em atos que seja, tem de extinguir-se e tornar-se nada: nessa sorte da humanidade, entretanto, o enlutado mira antes de tudo a própria sorte e em verdade tanto mais quanto mais próximo dele estava o morto, por conseguinte acima de tudo a morte do próprio pai. Embora a idade e a doença tivessem transformado a vida do pai num tormento e, através do desamparo, um fardo pesado para o filho, ainda assim a sua morte é chorada intensamente: tudo isso conforme o fundamento acima apresentado. [Schopenhauer, MVR1:478-480]