causalidade em teologia

As definições e divisões acima concerniam já à verdadeira noção ontológica de causa, mas elas a atingiam no plano da experiência ou da explicação física; no estudo de Deus esta mesma noção vai-se encontrar realizada de modo transcendente. O problema central é aqui o da demonstração da existência de Deus. Sabe-se que Aristóteles já havia conduzido com rigor essa demonstração nos livros VII e VIII da Física e no livro lambda da Metafísica. É o argumento do primeiro motor que, depurado de suas implicações cosmológicas, se encontra na base da demonstração tomista. Tomás de Aquino acrescentará outras provas (Ia Pa, q.2, a.3: as cinco vias ou provas clássicas da existência de Deus). Deste conjunto de provas consideraremos aqui, além da demonstração aristotélica pelo movimento, a prova pelos graus de ser (Quarta via), e muito sucintamente a prova pela finalidade.

– O argumento do primeiro motor.

Para a própria demonstração de Aristóteles, basta se reportar à análise feita precedentemente do livro VIII da Física. Tomás de Aquino na Suma (Ia Pa, q. 2, a. 3) apenas reteve as linhas metafísicas essenciais da prova.

Seu ponto de partida é a constatação da existência do movimento no mundo. O movimento de que se trata aqui é, em primeira análise, a mudança física observável pelos sentidos; mas todo devir, toda passagem da potência ao ato pode ser invocada.

Ora, primeiro princípio, “tudo o que é movido por um outro” – omne quod movetur ab alio movetur – a passagem da potência ao ato não pode se explicar senão pela intervenção de uma causa em ato. É a formulação mais comum no aristotelismo do princípio de causalidade.

Segundo princípio: o próprio motor exige que seja movido mas “não se pode remontar ao infinito na ordem dos motores”, pois então não haveria primeiro motor, nem, em consequência, motor subordinado. Em toda ordem, com efeito, é preciso um primeiro que para ser princípio da ordem deve transcendê-la, isto é, encontrar-se fora de série.

Em consequência, é necessário que se remonte até um primeiro motor que não seja movido por nada e que todos identificam com Deus.

Basta-nos aqui ter indicado a marcha geral da prova, reservando-nos o direito de voltar ao princípio de causalidade que dela é o nervo. Basta-nos igualmente lembrar que a segunda e terceira provas do artigo citado (Secunda e Tertia via) são construídas sobre o mesmo esquema. Conforme a segunda via, Tomás de Aquino, tomando como ponto de partida os encadeamentos de causas eficientes que se podem experimentalmente constatar, remonta até a uma primeira causa eficiente transcendente. Conforme a terceira via, Tomás de Aquino se eleva das contingências observadas nas coisas à afirmação de um primeiro ser necessário.

Prova pelos graus de perfeição.

Esta prova parece fazer apelo a um outro princípio diferente dos precedentes. Eis a concatenação.

No ponto de partida constatamos que há nas coisas perfeições, bem, verdadeiro, realizadas em graus diferentes. Notemos que se trata aqui apenas de perfeições que, ultrapassando o quadro dos gêneros e das espécies, existem analogicamente: eminentemente os transcendentais.

Ora, princípio da prova, não se pode falar de graus de uma perfeição em diversos sujeitos senão em relação a um termo que possui esta perfeição ao máximo: magis et minus dicuntur de diversis secundum quod appropinquant diversimode ad aliquid quod maxime est.

Há, pois, algo que é o mais verdadeiro e o melhor e em consequência o mais ser.

Ora, o que é máximo em um certo gênero de perfeição é causa de todas as perfeições deste gênero que possam existir.

Portanto, existe finalmente, algo que, para todos os seres, é causa do seu próprio ser, de sua bondade e de todas as suas perfeições e que chamamos Deus.

De início, esta prova, cuja significação foi ocasião de numerosas controvérsias, parece fazer apelo a uma relação diferente daquela de causalidade: dos diferentes graus de uma perfeição remonto por uma inferência imediata ao máximo desta perfeição. Mas, de fato, em Tomás de Aquino, a prova apenas está acabada e culmina propriamente em Deus no momento em que se tomou consciência de que este máximo em uma ordem dada de perfeição é causa das realizações inferiores desta mesma perfeição. A relação de participação de que se trata inicialmente implica pois a de causalidade. Deste modo esta prova pelos graus de ser nos faz ver as relações das criaturas e de Deus sob uma luz original, de um modo de alguma maneira mais sintético do que quando nos colocamos no simples ponto de vista da causalidade. Toda a sequência do tratado de Deus em Tomás de Aquino (Cf. notadamente a demonstração capital da identidade em Deus da essência e da existência Ia p.a, q. 3, a. 4) se vê, aliás, inspirada por estas concepções participacionistas nas quais, ainda uma vez, não se deve procurar uma metafísica que viria se opor à da causalidade ou simplesmente suplantá-la.

– A prova pela finalidade.

O último argumento invocado se apoia sobre a finalidade. Seu ponto de partida está na constatação experimental de fatos de finalidade ou de ordenação no domínio do mundo físico. Ora, a ordem implica intenção; a intenção supõe a inteligência. Deve haver portanto, em definitivo, algum ser inteligente que ordena ao seu fim todas as coisas da natureza. Nós o denominamos Deus.

Sabe-se que em virtude da aparente facilidade que existe em fazer valer a ordem do mundo, este argumento goza de um favor particular nos textos correntes relativos à existência de Deus. Em realidade, tal argumento é de uma utilização assaz delicada.

Unidade na dependência causal das provas de Deus.

Cada um dos argumentos supra citados constitui uma prova distinta culminando em demonstrar sob um aspecto particular a existência de Deus, primeira causa. Entretanto, há algo como que um fundo metafísico comum que se reencontra em cada uma delas: a ideia do ser contingente ou do ser que não tendo sua suficiência por si mesmo supõe o ser por si, o qual se basta a si mesmo, e ao qual o primeiro é reportado por um liame de dependência causal. O ser que não é por si, necessariamente é por um outro, o qual é por si. Toda a teologia repousa sobre a inferência causal. [Gardeil]