Cármides

No Cármides, ou da Sabedoria, Sócrates pergunta a Cármides, um belo aristocrata que se gaba de possuir a sabedoria (sophrosyne), o que é que entende por «sabedoria». Ele responde primeiro que é uma ausência de precipitação (esykiotes tis) feita de moderação e de calma; mas Sócrates mostra imediatamente que a rapidez e a prestreza valem mais, na maioria dos casos, do que a lentidão. Cármides define então a sabedoria como uma espécie de pudor (aidos), e Sócrates responde a isso, citando Homero, que o pudor não convém a quem está na miséria. Assim, nem a lentidão nem o pudor são bons em si, são por vezes sinal de sabedoria, por vezes também de não sabedoria. Cármides dá então uma terceira definição (161 b) e diz que a sabedoria é, para cada um, fazer aquilo que lhe diz respeito. Eis aqui um enigma, diz Sócrates; será necessário que cada um corte as roupas, fabrique os sapatos, sem nunca pôr o pé nos assuntos do vizinho? Crítias intervém então lembrando que se deve distinguir entre «fabricar», que tem um sentido técnico e utilitário, e «agir», e que a sabedoria deve ser definida como a atividade que se exerce no bem (163 e). Mas então, faz notar Sócrates, fizemos uma grande caminhada para chegar a uma banalidade; por outro lado, quando se diz que os artesãos podem ser sábios, mesmo envolvendo-se nos assuntos dos outros como afirmou Crítias, quer-se dizer que podem ser sábios mas sem o saber; não sabem de fato se aquilo que fazem para o outro lhe irá ser útil ou não. O que seria uma sabedoria que não se conhecesse a si própria? Crítias decide então partir de novo do zero e diz que a sabedoria consiste em conhecermo-nos a nós próprios (164 d) como recomenda a inscrição do templo de Delfos. Sócrates vai criticar esta concepção da sabedoria; historiadores da filosofia admiraram-se com esse fato e pensaram que Platão fazia no Cármides o processo do socratismo (Cf. E. Homeffer, Platon gegen Sokrates (Leipzig, 1904); na verdade, como muito bem mostra J. Moreau, a quem vamos buscar toda esta interpretação do Cármides (Cf. J. Moreau, La constrution de l’idéalisme platonicien, pp. 119 e segs), é uma espécie de ciência humana capaz de reconhecer as competências de cada indivíduo de modo a lhe atribuir um lugar na Cidade que lhe permita concorrer à felicidade desta que Crítias espera do «conhece-te a ti próprio». Aquilo que Sócrates recusa no «conhece-te a ti próprio» é uma pretensão ao individualismo e ao comando. Para Sócrates, o «conhece-te a ti próprio» é um convite à reflexão, não acerca do indivíduo, mas acerca da pessoa, é uma meditação acerca do conhecimento da alma e do bem. Uma ciência ou uma técnica só nos podem dar um poder utilizável (kresimon) em certos casos, mas não absolutamente útil (ophelimon) . O Cármides não conclui, mas preparou o terreno para reflexões futuras. [JBRUN]