A principal diferença entre o emprego aristotélico e o posterior emprego medieval do termo é que o bios politikos denotava explicitamente somente o domínio dos assuntos humanos, com ênfase na ação, práxis, necessária para estabelecê-lo e mantê-lo. Nem o trabalho nem a obra eram tidos como suficientemente dignos para constituir um bios, um modo de vida autônomo e autenticamente humano; uma vez que serviam e produziam o que era necessário e útil, não podiam ser livres e independentes das necessidades e carências humanas. [Para a oposição entre o que é livre e o que é necessário e útil, cf. Política, 1332b2] Se o modo de vida político escapou a esse veredicto, isso se deveu à compreensão grega da vida na pólis, que, para eles, denotava uma forma de organização política muito especial e livremente escolhida, e de modo algum apenas uma forma de ação necessária para manter os homens juntos de um modo ordeiro. Não que os gregos ou Aristóteles ignorassem o fato de que a vida humana sempre exige alguma forma de organização política, e que o governo dos súditos pode constituir um modo de vida à parte; mas o modo de vida do déspota, pelo fato de ser “meramente” uma necessidade, não podia ser considerado livre e nada tinha a ver com o bios politikos. [Cf. Política, 1277b8, para a distinção entre governo despótico e política. Quanto ao argumento de que a vida do déspota não é igual à vida de um homem livre, uma vez que o primeiro está preocupado com “coisas necessárias”, conferir, 1325a24.] [ArendtCH, 2]
Segundo o pensamento grego, a capacidade humana de organização política não apenas é diferente dessa associação natural cujo centro é o lar (oikia) e a família, mas encontra-se em oposição direta a ela. O surgimento da cidade–Estado significou que o homem recebera, “além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu bios politikos. Agora cada cidadão pertence a duas ordens de existência; e há uma nítida diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que é comum (koinon)” [Werner Jaeger, Paideia (1945), III, 111.]. Não se tratava de mera opinião ou teoria de Aristóteles, mas de simples fato histórico que a fundação da pólis foi precedida pela destruição de todas as unidades organizadas à base do parentesco, tais como a phratria e a phyle. [v. lar] De todas as atividades necessárias e presentes nas comunidades humanas, somente duas eram consideradas políticas e constituíam o que Aristóteles chamava de bios politikos: a ação (praxis) e o discurso (lexis), das quais surge o domínio dos assuntos humanos (ta ton anthropon pragmata, como chamava Platão), de onde está estritamente excluído tudo o que é apenas necessário ou útil. [ArendtCH, 4]