axiomática

(in. Axiomatics; fr. Axiomatique; al. Axiomatik; it. Assiomaticà).

A axiomática pode ser considerada resultado da aritmetização da análise que ocorreu na matemática a partir da segunda metade do séc. XIX, provocada sobretudo por Weierstrass. A primeira tentativa de axiomatização da geometria foi feita por Pasch, em 1882. Para a axiomatização da matemática também contribuíram o formalismo de Peano, Russell, Frege e, especialmente, a obra de Hilbert. Mas a axiomática não se limita hoje ao domínio da matemática: em física, é estudada como objetivo final ou, pelo menos, como formulação última e mais satisfatória; qualquer disciplina que atinja certo grau de rigor tende a assumir a forma axiomática. O significado da axiomática pode ser resumido brevemente nos pontos seguintes:

1) Axiomatizar uma teoria significa, em primeiro lugar, considerar, em lugar de objetos ou de classes de objetos providos de caracteres intuitivos, símbolos oportunos, cujas regras de uso sejam fixadas pelas relações enumeradas pelos axiomas. Como tais símbolos são desprovidos de qualquer referência intuitiva, a teoria formal assim obtida é passível de múltiplas interpretações, que se chamam modelos. Mas o modelo, aqui, não é um arquétipo preexistente à teoria, e mesmo a teoria concreta original, que forneceu os dados para o esquema lógico da axiomática, não é senão um desses modelos. A característica da axiomática é prestar-se a interpretações ou a realizações diferentes, das quais constitui a estrutura lógica comum.

2) O método axiomático é um poderoso instrumento de generalização lógica. Um dos modos de generalização desse método consiste em destruir, sucessivamente, alguns axiomas de certa teoria dedutiva, conservando os outros e, assim, construindo teorias cada vez mais abstratas. O sistema gerado pela axiomática assim restringida é coerente se o sistema inicial o for e constitui uma generalização deste.

3) A axiomática torna indispensável distinguir três modos pelos quais é possível diferenciar uma teoria dedutiva da outra. Consideremos o caso da geometria euclidiana. Em primeiro lugar, se modificarmos um dos seus postulados, obteremos outras geometrias denominadas próximas ou aparentadas; nesse sentido, fala-se de pluralidade de geometrias. Em segundo lugar, podemos efetuar a reconstrução lógica de qualquer uma dessas geometrias de vários modos, isto é, segundo axiomática diferentes; e essas axiomática serão equivalentes entre si. Enfim, se escolhermos uma dessas axiomática, na maioria das vezes será possível encontrar interpretações diferentes para ela: haverá vários modelos dela, que serão chamados isomorfos. Haverá assim: a) uma pluralidade de geometrias; b) uma pluralidade de axiomáticas para uma mesma geometria; c) uma pluralidade de modelos para uma mesma axiomática.

4) A característica fundamental da axiomática é a escolha e a clara enunciação das proposições primitivas de uma teoria, isto é, dos axiomas que introduzem os termos indefiníveis e estabelecem as regras de uso indemonstráveis. A escolha das noções primitivas é parte fundamental da constituição de uma axiomática. Hoje está claro, porém, que as próprias noções de “primitivo”, “indefinível” e “indemonstrável” são relativas, no sentido de que um termo indefinível ou uma proposição indemonstrável, dentro de um sistema, podem ser definíveis ou demonstráveis se as bases do sistema forem modificadas. P. ex., na geometria euclidiana não se pode demonstrar o postulado das paralelas, mas se renunciarmos a demonstrar o teorema de que a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois retos, poderemos assumir essa proposição como um axioma e demonstrar a unicidade da paralela. Além disso, muitas vezes os termos não definidos são implicitamente definidos pelo conjunto dos postulados previamente escolhidos (definição por postulados). Diz-se que a escolha dos postulados é livre, mas na realidade deve obedecer a determinadas condições que a limitam notavelmente; para essas condições, v. axioma.

5) Já se disse (v. axioma) que o limite fundamental para a escolha dos axiomas é a sua coerência ou compatibilidade. Todavia, um teorema de Gödel (1931) estabeleceu que uma aritmética não contraditória comporta enunciados não decididos e, entre esses enunciados, está a não-contradição do sistema aritmético. Em outros termos, se permanecermos no âmbito de um sistema, não será possível estabelecer a não-contradição desse mesmo sistema. Esse é um dos limites da axiomática, além dos que foram evidenciados pela corrente intuicionista dos matemáticos (v. matemática). [Abbagnano]


Neologismo, que designa o estudo crítico dos axiomas, enquanto estes são princípios fundamentais da geometria. (Já Leibniz queixava-se que muitos geômetras tentavam demonstrar os axiomas, não obstante estes serem indemonstráveis por definição). MFSDIC


Como é possível que a matemática, que é um produto do pensamento humano e independente de qualquer experiência, possa adaptar-se tão admiravelmente aos objetos da realidade? Será, pois, a razão humana capaz de descobrir apenas pelo pensamento, sem recorrer à experiência, as propriedades dos objetos reais?

Em minha opinião, a resposta a esta questão é a seguinte: «na medida em que as proposições matemáticas se referem à realidade, não são certas, e na medida em que são certas, não dizem respeito à realidade

O entendimento perfeito deste assunto só se tornou comum devido à tendência matemática conhecida pelo nome de axiomática. O progresso realizado pela axiomática consiste em que ela separa cuidadosamente a parte lógica e formal do conteúdo objetivo ou intuitivo. Segundo a axiomática, só a parte lógica e formal constitui o objeto da matemática, e de modo algum o conteúdo intuitivo ou outro que se lhe acrescente.

Deste ponto de vista, examinemos um axioma da geometria, por exemplo o seguinte: por dois pontos do espaço podemos sempre traçar uma linha reta e só uma. Como é que este axioma deve ser interpretado ao modo antigo e ao modo moderno?

Interpretação antiga — Toda a gente sabe o que é uma reta e o que é um ponto. Que tal conhecimento provenha da faculdade do espírito humano ou da experiência, da cooperação de ambas ou do que quer que seja, o matemático não é obrigado a decidi-lo, abandonando essa decisão ao filósofo. Assente nesse conhecimento, que é dado antes de qualquer matemática, o axioma referido (como todos os outros) é evidente, isto é, é expressão de uma parte de tal conhecimento a priori.

Interpretação moderna — A geometria trata de objetos denominados reta, ponto, etc. Não é pressuposto qualquer conhecimento ou intuição desses objetos; o único que se pressupõe é a validade desses axiomas, que devem também ser concebidos como puramente formais, isto é, desprovidos de qualquer conteúdo intuitivo ou acessível. Tais axiomas são criações livres do espírito humano. Todas as outras proposições geométricas são deduções lógicas dos axiomas (que devem ser concebidos do ponto de vista nominalista). São os axiomas que definem, em primeiro lugar, os objetos de que a geometria se ocupa. Eis o motivo por que Schlick considerou com razão os axiomas como definições implícitas.

Esta concepção dos axiomas, representada pela axiomática moderna, liberta a matemática de todos os elementos que lhe não respeitam e dissipa desse modo a obscuridade mística que outrora envolvia os fundamentos da matemática. Uma tal exposição depurada torna igualmente evidente que a matemática como tal não é capaz de enunciar o que quer que seja nem a respeito dos objetos da representação intuitiva nem da realidade. Pelas palavras ponto, reta, etc., só devemos entender na geometria axiomática conceitos esquemáticos sem conteúdo. Aquilo que lhes confere conteúdo não pertence à matemática.

Albert Einstein, La Géometrie et l’Expérience, trad. franc, de M. Solovine, pp. 3-5.