Excertos de Heidegger, “Heráclito”
Nascidos em Delos, Ártemis carrega os mesmos sinais que o seu irmão Apolo. Arco e lira que, de modo misterioso e justamente por isso, são os mesmos também em sua “forma externa”. A lira é o sinal do “jogo que toca as cordas” e de sua harmonia (harmonia). Mais uma vez, nos vem ao encontro a “essência” do jogo. Os gregos conhecem Ártemis como a caçadora, a “deusa da caça”. Através de um conceito mais ou menos equivalente, achamos com naturalidade que sabemos o que é “caça”, transpondo sem atenção essa ideia à deusa da caça. Caça e animais pertencem à “natureza”, à physis. Ártemis é a deusa da physis. Suas parceiras de jogo, as ninfas, jogam e tocam o jogo da physis. Essa palavra designa o nascer e o desabrochar que se entreabrem para erguer (pelein) e mostrar num desencobrimento. A deusa da physis é aquela que ergue. Por isso aparece em figuras altaneiras. Sua beleza é aquela do aparecimento nobre e grandioso. As jovens que Ártemis favorece são presenteadas com crescimentos grandiosos.
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Ártemis é a deusa da aurora, da luz, do jogo. Seu sinal é a lira que aparece em forma do arco. Para o grego, arco e lira são o mesmo. A lira — agora o arco — lança a flecha. O arco traz a morte. Entretanto, as mortes arremessadas pelas suas flechas são as mortes “súbitas”, as mortes “suaves” e “amáveis”. A deusa da aurora, do jogo e da luz é também a deusa da morte, como se o que é claro, o que joga e o que surge fossem como a morte. (Heidegger)
Platão dá três significados para a palavra grega Ártemis: “íntegra”, “conhecedora da virtude” e “a que odeia a procriação” [Crátilo 406b 1-6]. Ela é filha de Zeus e Leto, e irmã gêmea de Apolo, com o qual compartilha muitos traços comuns.
Leto é a titânida que preside o aperfeiçoamento das potências vitais das almas1 e Proclo nos explica que as tradições gregas honraram Deméter e Leto como a mesma deusa, sendo Leto a dimensão de Deméter que é a causa da luz intelectiva (Apolo) e da luz vivificadora (Ártemis) que está além do Universo criado2. Ou seja, Leto é a causa da vivificação e da iluminação das essências intelectuais dos deuses olímpicos e das hierarquias das almas.
Como Héstia e Atená, Ártemis é uma deusa “virgem”. Após assistir aos sofrimentos de sua mãe durante o parto de Apolo, pediu permissão a seu pai para manter a virgindade para sempre. Na mitologia grega, é a divindade ligada à vida selvagem, às regiões selvagens, aos animais selvagens, à caça, ao parto, à castidade. Os símbolos de Ártemis incluíam um arco de ouro e uma flecha de prata, uma aljava e facas de caça. O cervo e o cipreste eram sagrados para ela. A carruagem de Ártemis era feita de ouro e puxada por quatro cervos com chifres dourados. Como uma deusa das danças e das canções de donzelas, Ártemis é retratada com uma lira. O mito relata que ela fez da terra dos Hiperbóreos sua residência principal, ou seja, da terra mítica que está além dos Sopros, além do Polo (Urano): além do cume do Mundo Pré-Olímpico. Ela corresponde a Hécate na tradição órfica e nos Oráculos caldeus.