Costuma-se dizer que enquanto o raciocínio matemático aplicado à geometria é analógico o raciocínio algébrico é digital . A geometria clássica não é uma linguagem; a figura geométrica, nossa orientadora na demonstração dos teoremas da geometria, não obedece em sua construção a regras muito rígidas, podendo uma figura mal desenhada servir tanto quanto uma bem desenhada na resolução de um problema geométrico. Mas a álgebra tem muitas semelhanças à linguagem ; especialmente, a um tipo de linguagem, a linguagem escrita alfabética. Como esta, a álgebra também se utiliza de um alfabeto básico; e como esta, a álgebra também tem as suas regras ortográficas (notemos, no entanto, que nas linguagens naturais escritas a ortografia rigorosamente certa não é condição de intelegibilidade do texto, permitindo-se certos erros — “ce não xover” é, evidentemente, “se não chover” — ao passo que na álgebra o rigor ortográfico é essencial) . A álgebra, se assemelhando à linguagem escrita em sua estrutura superficial, torna-la-á sua “metalinguagem”, e, ao mesmo tempo, serão feitos esforços para compreender a estrutura da linguagem escrita em termos da álgebra (o sistema do Tractatus de Wittgenstein , e as gramáticas formalizadas de Chomsky pertencem a estes esforços). A álgebra, dentro das ciências ocidentais, é um acontecimento recente. Embora o tratamento algébrico de problemas matemáticos já nos viesse desde os gregos, e embora os hindus e árabes bastante tenham contribuído para o assunto, só em Descartes vamos encontrar o uso sistemático da álgebra — no seu desenvolvimento da geometria analítica. Um livro tão importante quanto a obra de Newton, Principia Mathemalica Philosophiae Naturalis (de 1687), onde são expostas e demonstradas as leis que regem o movimento dos planetas, e onde são enunciadas as 3 leis dinâmicas que ainda mantêm o nome de Newton ligadas a si, é praticamente todo desenvolvido com a ajuda do raciocínio geométrico. Assim sendo, as “definições” e “conceituações” que utilizamos para explicar o que seja uma álgebra são bastante recentes. A mais difundida surgiu dentro das investigações em torno da lógica matemática e dos fundamentos da matemática desenvolvidos a partir do início do século. É a seguinte:
Um sistema algébrico se estrutura segundo três níveis. O primeiro nível é o de seu “alfabeto”, das letras e sinais que usamos na álgebra. Estes sinais são de dois tipos — de um lado, os sinais que representam as “palavras” da álgebra, e de outro lado, os “sinais de pontuação”, conectivos lógicos e parênteses, que nos ajudam a relacionar umas às outras as “palavras” de nossa álgebra. O segundo nível é o das “regras de ortografia”, que nos ensinam como formar outras “palavras” a partir do alfabeto básico. O terceiro nível será o das regras de inferência. Estas últimas permitem que, de certo número de “palavras” deduzamos outras “palavras” novas (na verdade as regras de inferência são, também, regras de ortografia. Mas enquanto estas só nos ensinam a formar palavras novas por aglutinação de palavras antigas, as regras de inferência nos mostram como podemos modificar a estrutura interna de uma palavra para obter uma palavra nova).
Com esta definição caracterizamos um grande número de álgebras existentes na matemática. Existe a álgebra usual, que é uma álgebra dos números reais e complexos; existem as álgebras lineares e multilineares, que tratam de vetores, matrizes, tensores, várias séries infinitas — todas essas entidades como se elas fossem “números” capazes de certas operações algébricas mais ou menos simples (e um pouco diferentes das da álgebra dos reais). Existe a álgebra dos conjuntos, formalizada pela álgebra de Boole, e assim em diante. (Francisco Doria – DCC)