O esforço de constituição do acesso à coisa ela mesma pode, de fato, não abdicar de uma fixação do seu sentido feita por palavras; o perigo, porém, resulta da ambiguidade inerente a tudo quanto é trazido à palavra e que, como vimos, condiciona o acesso ao verdadeiro sentido do que está a ser enunciado. Uma tal ambiguidade é extrema no caso da reprodução poética (μίμησις ποιητική [mimesis poietike]), onde se pode identificar uma situação, de todo em todo paradoxal, resultante da perspectiva patológica sobre a qual assenta a nossa compreensão e interpretação das situações (πράξεις [praxeis]) humanas. As enunciações e expressões encontradas nos textos podem ser apenas um «remédio para a memória e para o saber» [Fedro, 274e6. Cf. Ian Rutherford, «μνήμης… φάρμακον at Plato Phaedrus 274e-275a», Hermes, 118, 3, (1990), pp. 377-379.], como se o seu domínio significasse automaticamente um domínio da «coisa mesma». Mas se não se anular a distância mimética relativamente às situações a que se procura dar expressão, o acesso ao sentido do que trazem à palavra fica preso à mesma situação paradoxal que identificáramos na tragédia e na comédia, com a agravante de que a atitude filosófica pode ser ridicularizada, na medida em que tem a pretensão arrogante de dizer a verdade acerca da vida ou então a busca da verdade tem o carácter patético–trágico da busca de algo que não existe. [CaeiroArete:108]