A metafísica é, em segundo lugar, a ciência do que está absolutamente separado da matéria. Esta doutrina é a culminância de um longo esfôrço de reflexão filosófica.
Entre os gregos, parece que é a Anaxágoras que convém conferir a honra de ter, pela primeira vez, separado o espírito da matéria. Com certeza, o noûs que propõe às nossas meditações não é claramente distinto dos objetos corporais, e sua ação sobre eles permanece ainda mal definida, mas é realizado um primeiro passo no sentido da separação de um elemento superior. Platão virá e, para assegurar ao conhecimento intelectual o objeto estável e idêntico que ele parece requerer, postulará o mundo das ideias, realidades isentas de toda matéria, às quais a verdadeira ciência poderá se referir.
Sabe-se que Aristóteles, mesmo acolhendo as ideias de Platão, reinseriu-as na matéria, por maior fidelidade à experiência: as coisas corporais são, ao mesmo tempo, matéria e forma. Entretanto, nele ainda haverá substâncias efetivamente separadas e, sobretudo, na sua filosofia do conhecimento, o princípio de abstração da matéria conserva todo o seu valor: a inteligência, faculdade espiritual, não pode diretamente atingir senão a “quididade” ou a essência abstrata; e um objeto é tanto mais inteligível em si quanto mais está desimpedido das condições da matéria. O fundamento da intelecção, dirá Tomás de Aquino, dando a estas afirmações toda a sua envergadura, é a imaterialidade.
Falta precisar aqui sob este ângulo, como se apresenta o conhecimento metafísico.
– Os três graus de abstração.
Considerando o conjunto do sistema das ciências especulativas, Aristóteles distinguiu três tipos ou três graus de imaterialidade nos objetos a conhecer e, correlativamente, nas operações intelectuais que lhes são proporcionais. Estes três graus correspondem aos três agrupamentos admitidos por todos e que são agrupamentos: das ciências físicas, das matemáticas e da metafísica. A lógica nos ensina que cada um destes graus se caracteriza em função da matéria noética abandonada pela operação de abstração ou, inversamente, em função do aspecto material que permanece implicado nas definições das noções que dirigem as demonstrações.
Assim, no grau de especulação física, abstrai-se a matéria enquanto ela é princípio de individuação, materia signata, mas retém-se a matéria que está na raiz das qualidades sensíveis, materia sensibilis; conservando-se as qualidades, guarda-se por isto mesmo o aspecto de mobilidade das coisas. No grau matemático, abstrai-se esta materia sensibilis, mas retendo-se este fundamento material da quantidade que o peripatetismo denominou materia intelligibilis. Na metafísica, enfim, abstrai-se absolutamente toda matéria e todo movimento; está-se no imaterial puro que compreende, ao mesmo tempo, as realidades espirituais (Deus e os anjos), e as noções primeiras (o ser, os transcendentais, etc…), estas últimas sendo independentes dos corpos no sentido de que podem ser realizadas fora deles (Sobre esta doutrina geral dos graus de abstração em Tomás de Aquino, cf.: Metaf., VI, L.1; De Trinitate, q.5, a.l e 3; Ia p.a, 85, a.1, ad 2).
– Caracteres próprios da abstração metafísica.
Teremos ocasião mais adiante, estudando a noção de ser, de precisar o tipo particular desta abstração. De modo um pouco superficial representar-se-ia a atividade graças à qual o espírito se eleva sucessivamente aos três graus de imaterialidade como uma operação do mesmo gênero uniformemente repetida, quando, de fato, entre os três processos há apenas uma simples analogia. Trata-se, com efeito, em cada caso, de um despojamento da matéria, mas este não se efetua da mesma maneira. Uma palavra especial, separatio, é reservada por Tomás de Aquino para designar a abstração metafísica (De Trinitate, q. 5, a. 3) .
Indiquemos, contudo, desde agora, para evitar algum desvio, que “abstrato”, “separado”, na medida em que são reportados ao plano da reflexão metafísica, não significam de maneira alguma separado da existência, mas somente despido das condições materiais desta existência. O ser, objeto da metafísica, é eminentemente concreto. O metafísico é, no sentido pleno da palavra, o mais realista dos sábios, tanto quanto considera do ponto de vista do ser a universalidade das coisas, como quando se eleva ao mais real dos objetos: os espíritos puros e Deus. [Gardeil]