Shakti

Excertos comentados de “Les Notions philosophiques. PUF, 1990.

Sânscrito, substantivo feminino. De SHAK-, ser capaz de, poder.
Noção importante no pensamento indiano, onde vários sistemas metafísicos reconhecem shakti, que é a capacidade de produzir um efeito, como uma das categorias da realidade. Esta noção está igualmente presente nas teorias medicais e alquímicas e desempenha um papel na gramática da língua, onde shakti designa o “poder de expressão” da palavra. O poder de agir (ato) pertence por definição a um agente: o “possuidor do poder” (shaktimant).

O papel da shakti é especialmente grande nas seitas e doutrinas marcadas pelo tantrismo onde é concebida como pólo feminino de uma divindade sexualmente polarizada, da qual forma o aspecto dinâmico, ativo. Enquanto para o Vedanta de Sankara a shakti, idêntica à maya, só cria ilusão, seu poder nas cosmogonias tântricas é real e infinito: ela cria, sustenta, anima, e depois reabsorve o universo que só existe em e por ela e para quem ela confere sua realidade. Nesta atividade, ela permanece no entanto, em seu nível mais alto, indissoluvelmente unida ao princípio masculino — o shaktimant —, do qual ela é “também inseparável como o vento é do ar”.

As cosmogonias tântricas adicionam geralmente onze categorias tattva às vinte e cinco do Samkhya, shakti aí é o segundo tattva na ordem da emanação. É o momento onde a energia criativa, que também é felicidade (ananda), predomina na divindade que faz aparecer o mundo. shakti é a Deusa (esposa de Shiva, ou aquela de Vishnu), pela qual o deus cria o mundo e aí age. A importância da Deusa, seu lugar dominante em certas ceitas de caráter shivaita, lha outorga o qualificativo shakta. Fala-se também as vezes a seu respeito de shaktismo, noção discutível, a princípio.

As escolas ou seitas shivaitas ou vishnuitas desenvolveram o conceito de shakti distinguindo nele aspectos formando as etapas sucessivas da aparição da manifestação na divindade. A energia seria assim a princípio pura consciência (chit) e felicidade (ananda) dinâmica, mas quiescente. Então nela aparece um desejo ou vontade, uma intenção emanadora, onde ela toma consciência dela mesma (pratyavamarsa) e da super-abundância daquilo que ela guarda em germe e para o qual ele se volta. Depois, ela se representa o que vai criar: ela é a energia de conhecimento (jnanishakti), plano onde a divindade toma claramente consciência do que faz nascer em seu seio e que ela conduzirá efetivamente à existência nela mesma se tornando energia de atividade (kriya-shakti). Este processo de manifestação do universo se desdobra no seio mesmo da divindade, no plano arquetípico, pois o mundo não tem efetivamente nascimento a não ser a um nível mais baixo, pelo jogo, lá ainda, do desdobramento — que é uma progressiva materialização, logo decadência — da energia.

Nestas escolas a graça divina (anugraha) é igualmente considerada como um aspecto da energia. Ela é, por isto, frequentemente denominada shaktipata, “descida da energia”.

No Shivaismo dualista como não-dualista, a quíntupla atividade (pancakrtya) da divindade: criação (srishti), conservação (sthiti) e reabsorção (samhara) cósmicas, depois o obscurecimento (tirodhana) e graça (anugraha), é considerada como obra da energia divina. Estas cinco funções são atribuídas de maneira análoga à shakti de Vishnu no Pancaratra, que é vishnuita. Este distingue dois aspectos da energia criadora: kriya-shakti, a energia da atividade que é a vontade de ser cósmica de Vishnu, única, causa instrumental do mundo, e bhuta-shakti, a energia do devir, causa material do mundo, que como ele é múltipla.

Nas metafísicas da palavra (Vak), os quatro aspectos da energia são postos em correspondência como os quatro níveis da palavra.

Existe na Escola shivaita Krama uma concepção de “Roda da energia” (shakti-cakra), assim nomeada porque a energia divina é pensada neste sistema como se desdobrando (depois revindo à fonte) pelo jogo das doze energia, que são deusas, as Kali, cujo movimento fulgurante e turbilhonante a partir do “meio” central da divindade absoluta é comparado a uma roda cósmica.