Jerônimo

Jerônimo, São (347-420)

Nasceu em Stridon (Dalmácia), próximo da atual cidade de Lubiana, na Eslovênia, e morreu em Belém. Tido como o mais sábio dos padres latinos, reuniu em sua pessoa o ermitão, monge e escritor preocupado com os assuntos da Igreja. E conhecido principalmente por sua tradução da Bíblia para o latim, chamada Vulgata.

Filho de uma família cristã, aos doze anos de idade já se encontrava em Roma, onde estudou gramática, retórica e filosofia. Sua inclinação pelo estudo cedo o transformou num apaixonado entusiasta da literatura latina. Concluído seu período de formação em Roma, foi batizado, provavelmente pelo Papa Libério (366).

Os vinte anos seguintes viveu num estilo de vida nômade, distribuída entre as suas ânsias de solidão e de estudo. Fez seus primeiros ensaios de monge e pesquisador em torno do bispo Valeriano (369-373), e logo depois foi para o Oriente. No ano 374, encontrava-se em Antioquia como hóspede de Evágrio. Aí compôs suas primeiras obras, e teve seu famoso sonho, no qual era levado ao tribunal de Cristo acusado de ser mais ciceroniano do que cristão, e em seguida severamente açoitado. Prometeu não voltar a possuir ou ler literatura pagã, promessa que irá mitigando com o tempo. Os anos 375-377 são os do deserto de Calcídia, lugar escolhido por Jerônimo para a solidão e a paz interior. Estudo, penitência e oração foram seus companheiros de deserto. Neste deserto fecundo, aprendeu o hebraico graças a um judeu convertido; estudou o grego, foi reunindo uma sólida biblioteca de manuscritos e manteve uma polêmica correspondência epistolar.

A partir de 378, final de seu retiro em Calcídia, viu-se envolvido nas disputas teológicas do tempo: sabelianismo, arianismo. Ordenado finalmente sacerdote por Paulino de Antioquia, seguiu de perto as ideias de Apolinário de Laodiceia, de Gregório de Nissa e de Anfilóquio de Icônio, acompanhando-os no Concílio de Constantinopla (381). Sob a influência destes, aperfeiçoou seu grego e começou a sentir uma admiração profunda por Orígenes, cujas 39 homílias traduziu para o latim.

Os três anos seguintes (382-385), passou-os em Roma na qualidade de secretário do papa São Damásio; prossegue aí seu estudo da Bíblia, revisa a versão latina dos evangelhos e a versão latina do saltério. Desdobrou-se numa atividade inusitada: pregou nas igrejas, atendeu um grupo de viúvas e virgens, a quem iniciou no estudo da Bíblia e do hebraico, algumas das quais o acompanharão no seu retiro definitivo de Belém. Descobriu-se reformador, arremetendo-se contra o clero romano, os monges relaxados e acomodados, e as virgens hipócritas. Inconformista, abandonou a Babilônia que era Roma para dirigir-se à Terra Santa. Desde 386 até a sua morte viveu numa gruta nas proximidades de Belém. Foi a sua época mais fecunda.

O legado literário de São Jerônimo pode ser dividido em três grandes lotes: a) História e controvérsia, fruto das lutas teológicas em que se viu envolvido. b)Traduções e comentários da Escritura, c) Obras ascéticas e correspondência. Suas obras ocupam 9 volumes da coleção de Migne (vols. 22-30).

Começando pela história, temos sua tradução da Crônica de Eusébio de Cesareia, que continuou até 378. Mais conhecido é seu livro De viris illustribus, escrito entre 372-373: um pulso cristão na cultura pagã. Da vertente apologética e de controvérsia, destacamos suas diatribes Adversus Iovinianum, exaltação da virgindade frente ao matrimônio; Contra Vigilantium, onde faz uma defesa da vida monástica, do celibato dos clérigos e de certas práticas relativas ao culto dos mártires; seu Dialogi contra Pelagianos é sua obra de controvérsia mais aguda. Em todas elas, São Jerônimo mostra-se excessivamente duro com seus inimigos.

As preocupações e doutrina ascéticas refletem-se não apenas em suas obras de controvérsia, mas também em biografias como a de Malco, capturado pelos beduínos, e a de Santo Hilário. Nessa mesma linha está a tradução para o latim de obras ascéticas coptas, por exemplo a Regra de São Pacômio, as homilias aos monges e um vultoso número de cartas com os mais diversos destinatários.

Fica, finalmente, sua obra escriturística, que dividimos desta forma: 1) Estudos introdutórios à Escritura. Tais são, por exemplo, seu Líber locorum: uma tradução e adaptação da obra de Eusébio sobre os nomes dos lugares da Palestina; e o Liber interpretationis hebraicorum nominum, lista alfabética dos nomes próprios hebreus da Bíblia. 2) Traduções da Bíblia. Revisão da Vetus Latina, feita do texto grego dos LXX. Entre 391406 fez a tradução latina do AT, baseada no texto original hebraico. 3) E importante a sua obra de comentário ao Gênesis, aos salmos, aos profetas maiores e menores, a algumas das cartas de São Paulo e ao evangelho de Mateus, sem esquecer as traduções que fez dos 39 sermões sobre São Lucas, escritas por Orígenes.

Um juízo de conjunto da pessoa e da obra de São Jerônimo leva-nos à consideração de uma personalidade singular, diferente de todos os padres da Igreja. Um homem que, acima de tudo, quis ser cristão. Um homem profundamente interessado pela cultura clássica e que, apesar de ter renunciado a tudo, levou consigo a biblioteca até o deserto.

Sua obra, sua revisão e posteriormente sua tradução da Bíblia, conhecida como Vulgata, fizeram-no credor do perpétuo agradecimento da Igreja. Sua preparação para o trabalho do estudo e da tradução da Bíblia — chegou a dominar as línguas hebraica, grega, latina e copta — são para nós um exemplo admirável de preparação científica. (Santidrián)