A possibilidade de um ente, ou seja, sua potência objetiva, pode ser considerada em si (= possibilidade intrínseca) ou em relação à potência ativa ou passiva de que depende (= possibilidade extrínseca). A possibilidade intrínseca é própria de tudo aquilo que não inclui contradição. A possibilidade extrínseca compete a tudo quanto pode ser produzido por uma causa. As ciências não-filosóficas apreciam a possibilidade e a impossibilidade unicamente segundo as causas próximas, acessíveis à experiência; a filosofia deve tomar também em consideração a causa suprema inacessível à experiência (onipotência, milagre).
Pertencem à ordem metafísica não só os seres algum dia existentes, como também em geral todos os seres capazes de existir, embora nunca existam (o meramente possível, os puros possíveis; contra Spinoza e os panteístas). Os possíveis não são o nada absoluto, pois o nada absoluto não pode existir, nem ser definido, nem ser diferenciado de outro nada por características determinadas, ao passo que acerca do possível se podem formular estas afirmações. Tampouco os possíveis são meros entes de razão, uma vez que por sua essência também podem ser reais fora da mente. Todavia aos possíveis não compete por si qualquer espécie de existência diminuída, visto que entre existir e não existir não há termo médio. Os possíveis têm seu último fundamento em Deus, que se encontra fora da esfera do puro possível, porque nele coincidem a possibilidade e a realidade. A esfera do possível não depende da ordem do ser facticamente realizado, nem de nosso entendimento, mas de Deus, cujo ser é a fonte de todo ser finito, e cuja inteligência constitui a medida de todas as coisas. Pelo que, a possibilidade intrínseca não é pura possibilidade lógica (contra Kant), mas é também possibilidade metafísica de existir. Ao logicamente possível ou pensável opõe Kant o realmente possível ou o intuitivo. Kant não conhece uma possibilidade não intuitiva e todavia real.
Embora a possibilidade extrínseca do ser finito se funde na onipotência de Deus, todavia esta não é o fundamento último da possibilidade intrínseca (contra Occam). Também a possibilidade intrínseca não depende da vontade ou do arbítrio de Deus (contra Descartes). Pelo contrário, a onipotência e a vontade eletiva de Deus) pressupõem a possibilidade intrínseca do ser finito. A razão, pela qual o possível pertence à ordem ontológica, é a essência imutável de Deus, ou seja, a vinculação do possível com o ser necessário. Pelo contrário, a marca do possível com a peculiaridade correspondente a cada caso estriba no conhecimento, a um tempo, criador e necessário de Deus, que pode exprimir sua perfeição na imagem do finito, de maneiras infinitamente novas (ideia). — Brugger.
Este conceito foi examinado amiúde em relação com o conceito de realidade. A esse respeito, manifestaram-se duas posições extremas: segundo uma delas o que antes de mais o possível, de modo que o real só se pode definir enquanto estiver dentro do limite de uma possibilidade prévia; a filosofia de Leibniz pode servir de exemplo. Segundo outra, só pode falar-se como sentido do real; a realidade é composta de puras atualidades; esta opinião é defendida por autores como Hobbes, Bergson. O mais comum foi, contudo, uma posição a entre estes depois extremos. Assim acontece com Aristóteles; com ele, há diversos termos em relação com o nosso problema e diferentes interpretações desses termos. Por exemplo, a noção de possibilidade está em íntima relação com a de potência e a noção de contingência está ligada á de possibilidade. Aristóteles define ,o possível dizendo que “algo é possível se, ao passar ao ato do qual se diz que este algo tem a potência, não resultar daí nenhuma impossibilidade” (METAFÍSICA). Segundo ele, possível significa logicamente possível, e, nesse caso a possibilidade é equivalente à não repugnância lógica. Segundo outro significado, possível significa “realmente possível”, e, nesse caso, a possibilidade é equivalente à potência. Esta distinção foi aceite e elaborada pela maior parte dos escolásticos medievais. Embora o possível se defina muitas vezes como aquilo que pode ser e não ser e também como aquilo que não é e pode ser, esse poder entende-se, em certas ocasiões, em sentido lógico e, noutras, em sentido real. juntamente como esta distinção há que mencionar outras. A mais importante é a que se realiza entre a possibilidade absoluta ou intrínseca e a relativa ou extrínseca, porque estes dois termos são fundamentais em relação ao problema da essência e ao modo de estar das essências na mente divina. Uma essência diz-se intrinsecamente possível quando as suas notas internas não são contraditórias, e extrinsecamente possível quando necessita de uma causa que a leve à existência. O problema da relação entre as essências possíveis e a divindade suscitou duas respostas fundamentais: Segundo uma, sustentada por S. Tomás, entre outros, essas essências dependem, fundamentalmente, da existência divina e, formalmente, do entendimento divino. Nesse sentido, não pode dizer-se que os possíveis dependem da vontade de Deus; aqui entendem-se as essências como intrinsecamente possíveis. Segundo a outra, sustentada por Duns Escoto e Descartes, as essências possíveis dependem da vontade divina; o seu ser é-lhes dado de fora e por isso as essências são aqui extrinsecamente possíveis.
Estas questões voltar-se-ão a pôr na época moderna, pelo menos durante o século dezassete, mas, juntamente com elas, renasceu o velho problema da relação entre o real e o possível. Alguns autores defenderam teses que consideravam próximas da tese platônica das ideias: as “entidades possíveis” não existem como existem as coisas físicas, mas pode dizer-se delas que são e o seu ser consiste em residir num entendimento superior ou mundo inteligível do qual são extraídas para se atualizarem; Leibniz não estava longe desta posição. Em contrapartida, Hobbes nega toda a inserção do possível no real e sustenta que o não real não é possível. O suposto fundamental desta opinião é a identificação do possível com o possível meramente lógico e o seu esquecimento da vinculação que a possibilidade mantém com alguma forma de potência. Outros autores, como Espinosa, Admitem que as coisas reais são reais na medida em que foram possíveis. Por seu lado, Kant tentou mediar entre a tese que negou a possibilidade e a que a converteu em fundamento do real. O possível fica então situado no plano transcendental. Por isso, para Kant, o possível é “aquilo que concorda com as condições formais da experiência (quanto à intuição e quanto aos conceitos). Era natural que, ao ser rejeitada a coisa em si, Fichte e Schelling convertessem a possibilidade em princípio de qualquer ser. Mas esta possibilidade vai então indissoluvelmente ligada à noção de potência e significa propriamente a liberdade positiva do Absoluto. Bergson tentou mostrar como é uma falácia perguntar-se como se pode entender que haja um ser e não um nada. Ora, segundo Bergson, não só não pode entender-se o real como algo fundado no possível, mas o possível tem que ser explicado pelo real. Assim, em vez de se falar do futuro como algo possível, deve falar-se num futuro que “terá sido possível”, pois o possível não é senão o real a que se acrescentam atos do espírito. Por conseguinte, o real é aquilo que se torna possível e não o possível que se converte em real. A última finalidade desta negação a fundamentar a realidade partindo da possibilidade é a eliminação de qualquer racionalismo na consideração do real, racionalismo que se insinua sempre que se faz do real um dos muitos resultados em que o possível pode desembocar. Mas essa noção não exclui a ideia de possível como a mera indicação de uma ausência de obstáculos para que algo aconteça; precisamente nesta confusão do possível como simples não haver obstáculo com a possibilidade como fundamento da realidade, radicam algumas das dificuldades mais típicas na análise do real.
N. Hartmann considera que a possibilidade é, com a realidade e a necessidade, um modo de ser. Segundo Hartmann, não são a mesma coisa a possibilidade e a possibilidade real: “aquela reclama, com razão, o amplo campo de uma multiplicidade de possibilidades, mas não pode cumprir com a velha exigência de chegar a uma realidade; esta, em contrapartida, mostra-se como uma rigorosa referência a uma série de condições reais e assim se converte em expressão de uma relação real. Ambas as classes de ser possível têm desse modo o caráter tradicional de ser um estado do ente”. São tantas as formas de possibilidade como são as formas de realidade. Um modo de entender a noção de possibilidade de forma diferente dos anteriores é o que liga a noção de possibilidade ao problema da existência Humana. Heidegger entendeu o ser possível como um modo de ser do homem pelo qual este se projecta a si mesmo no seu ser. Como se vê, ficam à margem as propostas tradicionais. Inclusivamente quando Heidegger diz que “a possibilidade é mais alta que a realidade” não está a falar num reino de possibilidades mais amplo do que o real e de que este último é só uma parte – a parte atualizada – do primeiro; significa que o ser possível é um poder-se, enquanto que “fazer- se a si próprio”. Por outras palavras, a possibilidade é primeiramente, para Heidegger, possibilidade existencial.
As análises anteriores são principalmente de natureza ontológica, mas a noção de possibilidade também foi examinada do ponto de vista lógico. a possibilidade ontológica refere-se a um termo singular (como se vê na frase “este cão amarelo que está em cima da minha mesa e possível”), enquanto a possibilidade lógica se refere a proposições (como se vê na frase “é possível que um cão amarelo seja um bom caçador”). A forma como é usada a expressão é possível que, na lógica modal, não elimina todos os problemas levantados pela noção do possível. Por isso, muitos autores, sem a~abandonarem as bases lógicas, puseram novamente problemas ontológicos. Cabe destacar, a este respeito, a teoria das descrições de Russell. Comum a todo este tipo de tentativas é a exploração de todos os problemas de natureza lógica e semântica antes de avançar posições ontológicas. Alem disso, reconhece-se usualmente que quando se dá uma solução ontológica, esta depende de um a decisão prévia adoptada na disputa dos universais. [Ferrater]