faculdade

A possibilidade física ou moral. — Segundo a psicologia clássica, podia-se distinguir três faculdades da alma: a sensibilidade ou poder de sentir; a inteligência. ou o poder de compreender; a atividade, ou o poder de agir (tendências, vontade e liberdade). Todas as lições de psicologia, em aulas de “filosofia”, eram agrupadas em torno dessas três rubricas, às quais se acrescentou a afetividade, ou seja, faculdade dos sentimentos (amor, ódio), que se distingue da sensibilidade, ou faculdade das sensações (elementos da percepção). [Larousse]


Desde o momento em que se estabeleceram certas divisões da alma, propôs-se o que depois se chamou “doutrina das faculdades da alma”. Assim aconteceu com as divisões propostas por Platão, Aristóteles e pelos está. Platão distinguia entre a potência racional, a concupiscível e a irascível (mais ou menos equivalentes a razão, desejo e vontade). Aristóteles distinguiu em toda a alma duas partes fundamentais: a vegetativa e a intelectiva. Esta última compreendia a potência apetitiva e a contemplativa. Os estoicos distinguiram entre o princípio diretivo (hegemônico) de caráter racional, os sentidos, o princípio espermático e a linguagem. Santo Agostinho distinguia entre a memória, inteligência e vontade. Muitos escolásticos seguiram a classificação aristotélica; as faculdades ou potências podem ser, em geral, mecânicas, vegetativas, sensitivas e intelectuais (incluindo nestas a vontade), falou-se das potências ou faculdades de sentir, de compreender e de querer. No século dezoito ampliou-se a doutrina das faculdades até ao ponto de boa parte da estrutura das obras de Kant depender das divisões estabelecidas por tal doutrina. Pareceu fundamental a distinção entre compreensão e vontade (razão teórica e razão prática). No século dezanove foi-se abandonando a doutrina das faculdades da qual não se encontram vestígios na psicologia contemporânea. [Ferrater]


(gr. psyches eidos ou morion; lat. facultas; in. Faculty; fr. Faculte, al. Vermögen; it. Facoltà).

1. Entendem-se por esse nome os poderes da alma, ou seja, as espécies ou partes em que é possível classificar e dividir suas atividades ou princípios aos quais são atribuídas tais atividades. A distinção entre os poderes da alma, bem como a própria noção de um poder que se refere à alma, nascem da óbvia consideração da diferença entre as operações atribuídas à alma e do fato de que essas operações podem opor-se entre si. Com esse fundamento, Platão distinguiu três poderes, que ele chamava de espécies (eide), Rep., IV, 440 e) da alma: poder racional, graças ao qual a alma raciocina e domina os impulsos corpóreos; poder concupiscível ou irracional, que preside aos impulsos, aos desejos, às necessidades e concerne ao corpo; poder irascível, que é auxiliar do princípio racional e indigna-se e luta por aquilo que a razão julga justo (Rep., IV, 439-40). Já Aristóteles distinguiu: d) parte (morion) vegetativa, que é a potência nutritiva e reprodutiva própria dos seres vivos, a começar pelo homem; b) parte sensitiva, que compreende a sensibilidade e o movimento, e é própria do animal; c) parte intelectiva (dianoética), que é própria do homem. O princípio mais elevado pode fazer as vezes dos inferiores, mas não vice-versa. Assim, no homem a alma intelectiva também cumpre as funções que nos animais são realizadas pela alma sensitiva e nas plantas pela vegetativa (Dean., II, 2, 413 a 30 ss.). Por sua vez, o princípio dianoético ou alma intelectiva divide-se em duas partes que são, respectivamente, a parte apetitiva ou prática (a vontade) e a parte intelectiva ou contemplativa (o intelecto) (Ibid., III, X, 433 a 14; Et. Nic. VI, 1, 1139 a 3; Pol., 1133 a). Essa divisão seria aceita e difundida durante muitos séculos. Os estoicos, todavia, haviam proposto outra, consistente em quatro princípios: a) princípio diretivo ou hegemônico, que é a razão; b) sentidos; c) princípio seminal ou espermático; d) linguagem (Dióg. L., VII, 157; Sexto Empírico, Adv. math., IX, 102). Na filosofia medieval, a partição aristotélica, que acaba por prevalecer no fim da escolástica e é repetida por muitos pensadores (p. ex., Alberto Magno, Tomás de Aquino, Duns Scot, Ockham), entrelaça-se com o tipo de partição que fora inaugurado por S. Agostinho e que consiste em julgar que as partes da alma têm como modelo a Trindade divina. S. Agostinho distinguira, com efeito, três faculdades da alma: memória, inteligência e vontade, correspondentes às três pessoas da Trindade, definidas respectivamente como Ser, Verdade e Amor (De Trin., X, 18). Esta divisão e outras análogas encontram-se frequentemente na escolástica (é repetida, p. ex., por S. Anselmo, MonoL, 67). A partir de Descartes, a única divisão admitida foi a que Aristóteles considerara própria da alma intelectiva ou dianoética, entre vontade (apetição ou desejo) e intelecto propriamente dito, ou seja, a divisão fundada no uso prático e no uso teórico da razão. Para Descartes, a alma é apenas a almaracional”, já que as funções vegetativa e sensitiva não pertencem à alma racional nem a outra espécie de alma, porquanto são funções mecânicas, explicadas pelo mecanismo corpóreo (Discours, V). A divisão entre intelecto e vontade é enunciada por Descartes (Pass. de l’âme, I. 17) como entre as ações da alma, que compreendem todos os desejos, entre os quais Descartes inclui a vontade (Ibid., 18), e as paixões. que compreendem “todas as espécies de percepções ou formas de conhecimento”. Essa divisão é elucidada pelo modo como Descartes a utiliza na sua teoria do erro. Este depende do concurso de duas causas, do intelecto e da vontade. Com o intelecto o homem não afirma nem nega nada, mas concebe tão-somente as ideias que pode afirmar ou negar. O ato de afirmar ou negar é próprio da vontade. Ora, a vontade é livre e como tal é muito mais ampla que o intelecto e pode, portanto, afirmar ou negar até o que o intelecto não consegue perceber clara e distintamente (Méd., IV; Princ. phil, I, 34). Com isso estabelecia-se a distinção entre intelecto e vontade, o que seria aceito até Kant. É bem verdade que Spinoza negou a existência de faculdades separadas na alma, aduzindo que elas “são fictícias, entidades metafísicas ou universais que formamos a partir das coisas particulares” (Et., II, 48). Mas isso significa que para ele “vontade e intelecto são a mesma coisa” (Ibid., 49, corol.), sendo a distinção pressuposta com fins polêmicos. O próprio Locke a reconhece quando, a propósito da ideia de força, afirma que a vontade e o intelecto são as duas forças que explicam as transformações que ocorrem no nosso espírito (Ensaio, II, 21, §§ 5-6). Leibniz diz que os dois princípios agentes na mônada são a percepção e a apetição (Monad., §§ 14-15). Wolff, por sua vez, reconhecia no conhecimento e na apetição as duas funções fundamentais do espírito humano e, com base nessa divisão, modelava a divisão da filosofia nos dois ramos fundamentais, filosofia teórica ou metafísica e filosofia prática (Log., Disc. Prael, §§ 60-62).

Kant, somando as análises dos empiristas ingleses, interpunha entre o intelecto e a vontade uma terceira faculdade, que chamava de “sentimento de prazer e desprazer”. Com isso, as faculdades da alma elevaram-se a três (faculdade de conhecer, faculdade de sentir, faculdade de desejar) (Crít. do Juízo, Introd., IX), numa divisão que se tornaria clássica e frequentemente seria apoiada por um suposto testemunho da consciência (v. Emoção; Sentimento).

Entretanto, nenhuma dessas doutrinas implicava que as faculdades da alma fossem poderes distintos e independentes. Como já os antigos, tanto Descartes (Regulae, XII, 79) quanto Locke (Ensaio, II, 21, 6) e Leibniz (Nouv. ess., II, 21, 6) reconhecem explicitamente que a divisão das faculdades é uma abstração que não destrói a unidade da atividade mental. Assim, não representam grandes novidades a crítica de Herbart à doutrina das faculdades e a sua tese de que essas faculdades (intelecto, sentimento e vontade) são simplesconceitos de classe” mediante os quais se ordenam os fenômenos psíquicos (Einleitung in die Phil, § 159). A psicologia associacionista compartilhava esse ponto de vista, mas mantinha a mesma tripartição (p. ex., Bain, Mental and Moral Science, 1868, p. 2; Logic, II, 275), e o Neocriticismo da Escola de Marburgo (Cohen, Natorp) reconhecia só três ciências filosóficas (lógica, estética e ética), correspondentes às três atividades do espírito.

Foi só na psicologia e na filosofia contemporâneas, especialmente por influência do behaviorismo e da Gestalt, que a doutrina das partes da alma, qualquer que fosse o modo de entendê-la, perdeu importância, deixando de constituir tema de investigação e debates. Como objeto de indagações, de fato, o comportamento implica a prática e a fusão simultâneas de todos os princípios ou partes distintas ou distinguíveis da atividade da alma, da consciência ou do organismo, de tal modo que tais distinções deixam de ter interesse e fala-se de “comportamento racional” ou “comportamento emocional”, num sentido em que essa distinção não tem mais razão de ser (v. behaviorismo; comportamento).

2. No significado mais geral, o mesmo que poder. [Abbagnano]