(in. Voluntarism; fr. Volontarisme; al. Voluntarismus; it. Volontarismó).
Este termo, usado pela primeira vez por Tönnies em 1883 e divulgado por Wundt (v. Eucken, Geistige Strömungen der Gegenwart, p. 33), foi empregado para indicar duas tendências doutrinais diferentes: 1) a que afirma o primado da vontade sobre o intelecto; 2) a que vê na vontade à substância do mundo.
1) A primeira tendência é a gnosiológica e ética. Esse tempo foi aplicado para caracterizar algumas correntes da filosofia medieval. Henrique de Gand (morto em 1293) afirmou a superioridade da vontade sobre o intelecto porque o hábito, a atividade e o objeto da vontade são superiores aos do intelecto. De fato, o hábito da vontade é o amor; o do intelecto é a sabedoria; o amor é superior à sabedoria. A atividade do querer identifica-se com o objeto dele, que é o fim, enquanto a atividade do intelecto é sempre distinta e separada do seu objeto. Finalmente o objeto do querer é o bem, que é o fim absoluto, enquanto o objeto do intelecto é o verdadeiro, que é um dos bens, portanto subordinado ao fim último (Quodi, I, q. 14). Duns Scot afirmou o primado da vontade, mas com outro fundamento: não é a bondade do objeto que causa necessariamente o assenti-mento da vontade, mas é a vontade que escolhe livremente o bem e livremente luta pelo bem maior (Op. Ox., I, d. I, q. 4, n. 16). A esta doutrina está ligada outra, segundo a qual o bem e mal consistem no mandamento divino. “Deus não pode querer algo que não seja justo porque a vontade de Deus é a primeira regra” (Ibid, IV, d. 46, q. I, n. 6). No último período da escolástica o voluntarismo ocorre numa ou noutra dessas formas.
Análogo a essas concepções medievais é o voluntarismo psicológico, encontrado em Tönnies (Gemeinschaft und Gesellschaft, 1887, pp. 99 ss.) e principalmente nas obras de Wundt, que divulgou conceito e termo. Nesse sentido, voluntarismo não significa reduzir todos os processos psíquicos a voluntarismo, mas explicar esses processos segundo o modelo apresentado pelos processos da vontade (Wundt, Grundzuge der physiologischen Psychologie, 1902, 5a ed., pp.17 ss.). Esse voluntarismo foi defendido na França por Fouillée (Psychologie des Idées-forces, 1893) e adotado por numerosos psicólogos nas primeiras décadas do séc. XX.
2) O voluntarismo metafísico foi iniciado por Schopenhauer, para quem a vontade é substância ou número do mundo, enquanto o mundo natural é manifestação ou revelação da vontade. Como aparência ou fenômeno, o mundo é representação; como substância ou número, é vontade. A vontade é a essência do corpo humano, no qual é conhecida diretamente e está em si mesma, e essência de qualquer outro corpo, identificando-se com qualquer força do mundo (Die Welt, I, § 19). Como tal, a vontade determina o mundo da representação, definido por Schopenhauer como “objetividade da vontade”, e subjuga esse mundo, mostrando-o nas formas de espaço, tempo e causalidade, que são as formas do fenômeno (Ibid., § 23). Essas ideias muitas vezes foram parcialmente acolhidas pelos filósofos do fim do século passado: basta aqui lembrar Novos ensaios de antropologia (1813-24), de Maine de Biran, e Filosofia do inconsciente, de Eduard von Hartmann (1869). [Abbagnano]
A teoria do conhecimento segundo a qual a vontade intervém em todo juízo. — Descartes distingue assim a percepção, ou “entendimento”, simples constatação de uma coisa, e o “juízo”, que consiste em afirmá-la voluntariamente como um conhecimento verdadeiro. O voluntarismo contrapõe-se ao intelectualismo (Spinoza) (segundo o qual julgo uma coisa verdadeira ou bela porque ela é verdadeira ou bela). O voluntarismo insiste ao contrário no ato e na responsabilidade do indivíduo que afirma. Em psicologia, o voluntarismo consiste em considerar-nos responsáveis por todos os nossos estados, ideias ou sentimentos (Sartre): por exemplo, sou responsável por minhas emoções na medida em que as desejei inconscientemente (o que se encoleriza recusa na verdade uma situação; também a recusa uma mulher que desmaia; essas condutas são, no fundo, condutas pelas quais somos responsáveis, logo voluntárias, mesmo se delas não temos explicitamente consciência). Em metafísica, o voluntarismo faz da vontade a própria essência do universo (Schopenhauer). [Larousse]
Designam-se por voluntarismo aquelas correntes filosóficas, que de algum modo concedem a preferência à vontade sobre o entendimento (Intelectualismo). Isto pode verificar-se de maneiras muito diferentes. Segundo o voluntarismo metafísico, a realidade, em seu verdadeiro ser e âmago, mais profundo é vontade (Schopenhauer, Ed. v. Hartmann). O voluntarismo psicológico não vai tão longe, mas atribui à vontade a primazia sobre o entendimento (Henrique de Gand: o entendimento é puramente passivo; seu objeto está subordinado ao querer; mais moderado é Duns Scotus: o entendimento é causa ao serviço do querer, mas a verdade não depende deste). O voluntarismo psicológico amplia-se, na maioria dos casos, até se converter em voluntarismo teológico (a essência da felicidade reside no amor de Deus; a ordem da natureza e, também em parte, a ordem moral dependem da vontade divina). Lutero e, com certas restrições, Occam fazem depender do livre arbítrio de Deus toda a ordem ética; segundo Lutero, Deus é incognoscível, porque é vontade absoluta. Difere de todas estas formas o voluntarismo epistemológico de Kant, segundo o qual compete à razão prática a primazia sobre a razão teorética, porque aquela nos leva a convicções metafísicas a que a segunda não logra chegar, embora lhes possa desbravar o caminho. Ao voluntarismo epistemológico pertence também o pragmatismo. Nietzsche defende um voluntarismo ético, enquanto nele a vontade de comandar aparece como supremo valor moral. — O voluntarismo confunde geralmente o querer com a atividade. Vontade (quando não é equiparada ao impulso cego) e entendimento estão, por sua natureza, no mesmo grau do ser. Complementam-se, enquanto a vontade move o entendimento e este ilumina a vontade. Em Deus são uma e a mesma coisa. — Brugger.
Uma história do voluntarismo deve seguir, pois, a mesma via que uma história do conceito de razão prática e especialmente de uma história do conceito de vontade.
Como esta, o voluntarismo pode ser compreendido em três sentidos:
psicologicamente, como o primado da vontade sobre todas as restantes faculdades psíquicas. Eticamente, como o reconhecimento do caráter absoluto ou predominante da vontade na determinação da lei moral, assim como do primado da razão prática sobre a teórica. Metafisicamente, como a conversão da vontade num absoluto, numa coisa em si. Dentro do cristianismo, destacam-se diversas formas de voluntarismo, embora certamente num sentido diferente daquele em que o termo tem sido modernamente e sobretudo contemporaneamente…. Em certo sentido, poderia considerar-se o agostinianismo de um ângulo voluntarista, sempre que a importância concedida dentro dele à vontade não suprima nem a unidade radical da alma nem tão pouco, e com maior razão, o transcender desta para a sua fonte. Fala-se também de voluntarismo para caraterizar a doutrina de Duns Escoto – usualmente em contraposição com o intelectualismo que alguns autores estimam como caraterístico da doutrina de S. Tomás de Aquino… Há em Duns Escoto um certo voluntarismo – na esfera humana não menos que na divina – porquanto estima com frequência que a vontade é uma causa total do seu próprio ato, e porquanto esta vontade – pelo menos no plano humano – tem como razão formal a liberdade. Em quase todos os casos mencionados, o voluntarismo tem um sentido mais ou menos explicitamente metafísico; em contrapartida moral do voluntarismo predomina em Kant. Segundo alguns comentadores, toda a doutrina kantiana, incluindo a sua teoria do conhecimento, pode ser resumida sob o nome de voluntarismo ético, diferentemente, por exemplo, do voluntarismo de Schopenhauer, que pode ser resumido sob o nome de voluntarismo metafísico. Um sentido moral traduzível ao metafísico impera em Fichte, para quem a vontade é qualquer coisa como “a raiz do Eu”. Até aqui, no entanto, o voluntarismo não necessita de ser irracionalista… em Compensação, um voluntarismo metafísico e, além disso, irracionalista aparece no pensamento de Schopenhauer. Na sua filosofia não somente aparece a Vontade frente ao caráter fenomênico do intelecto, como uma coisa em si, mas, além disso, tal coisa em si é inteiramente irracional. A oposição hoje em dia já clássica entre voluntarismo e intelectualismo não significa (quando se tem em conta os três citados planos em que o primeiro pode desenvolver-se) que não possa ser admitida nos sentidos e rejeitada noutros. Vários psicólogos voluntaristas modernos admitem, por exemplo, o primado da vontade no plano anímico, mas rejeitam conceber a vontade como a realidade. Os voluntaristas plenamente metafísicos, como Schopenhauer, admitem a vontade como um absoluto e ainda como elemento predominante da vida psíquica, mas negam o seu primado no reconhecimento dos valores éticos. os voluntaristas éticos podem negar ao mesmo tempo o voluntarismo psicológico e o metafísico.
O que não significa que a teoria voluntarista não acarrete uma certa tendência para ampliar, por assim dizer, o ânimo da vontade. Nietzsche sofreu uma grande influência de Schopenhauer e deu uma importância central à noção de vontade, mas numa forma muito peculiar que requer ser desenvolvida de modo especial. Nas suas análises da cultura europeia, Nietzsche advertiu que o cristianismo, o socialismo e o igualitarismo democrático são ideais produzidos por uma moral que deve ser superada mediante um ponto de vista situado mais para além do bem e do mal. São manifestações de uma vitalidade descendente, de um ascetismo aos quais opõe como valor supremo a vitalidade ascendente, a vontade de viver, e, em última instância, a vontade de poder. Este é o maior desmentido à objetividade, ao igualitarismo, à piedade e compaixão cristãs. Mas além da crítica dos valores vigentes é necessário, segundo Nietzsche, ir mais para além e erigir um novo ideal do super-homem, em quem se encarna a vontade do poder. Se o super-homem tem alguma moral é a moral do Senhor, oposta à moral do escravo e do rebanho e, portanto, oposta à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. [Ferrater]
a) É a doutrina que afirma que o fundo das coisas deve ser concebido como uma vontade, em analogia à vontade humana. Um querer… como na concepção de Schopenhauer, de Nietzsche.
b) Na psicologia, a doutrina que afirma que as representações e as funções intelectuais estão subordinadas à vontade.
c) Na ética, a doutrina que admite a superioridade axiológica da ação e do sentimento sobre o pensamento intelectual e refletido, muito próprio dos românticos. [MFSDIC]