Retemos ainda a capacidade de agir, pelo menos no sentido de desencadear processos, embora essa capacidade tenha se tornado prerrogativa exclusiva dos cientistas, que ampliaram o domínio dos assuntos humanos ao ponto de extinguirem a consagrada linha divisória e protetora entre a natureza e o mundo humano. Em vista de tais façanhas, realizadas durante séculos na invisível quietude dos laboratórios, parece bastante adequado que os feitos desses cientistas tenham afinal adquirido maior valor como notícia e sejam de maior significação política que as realizações administrativas e diplomáticas da maioria dos chamados estadistas. É certamente irônico o fato de que aqueles a quem a opinião persistentemente considerou como os menos práticos e menos políticos membros da sociedade tenham se demonstrado os únicos a ainda saber como agir e como agir em concerto. Pois suas primeiras organizações, fundadas por eles no século XVII para conquistar a natureza e nas quais desenvolveram seus próprios padrões morais e seu próprio código de honra, não apenas sobreviveram a todas as vicissitudes da era moderna, mas tornaram-se um dos mais potentes grupos geradores de poder em toda a história. Mas a ação dos cientistas, uma vez que eles agem na natureza do ponto de vista do universo e não na teia de relações humanas, carece do caráter revelador da ação e da capacidade de produzir estórias e tornar-se histórica, caráter e capacidade que constituem juntos a própria fonte da qual brota a significância que ilumina a existência humana. Sob esse aspecto, existencialmente mais importante, também a ação passou a ser uma experiência limitada a um pequeno grupo de privilegiados, e esses poucos que ainda sabem o que significa agir talvez sejam ainda menos numerosos que os artistas, e sua experiência ainda mais rara que a experiência genuína do mundo e do amor ao mundo. [ArendtCH:C45]