espetáculo

Todo representar, de acordo com a sua possibilidade, é um representar para alguém. O fato de se ter em mente essa possibilidade como tal é que produz a peculiaridade do caráter lúdico da arte. O espaço fechado do mundo do jogo deixa cair aqui, ao mesmo tempo, uma parede. A representação do culto (Kultspiel) e teatral (Schauspiel) não representam evidentemente do mesmo modo e num mesmo sentido, como representa a criança que brinca. Elas não são absorvidas de todo, pelo fato de que elas representam, mas, ao mesmo tempo, aludem, para além de si mesmas, àquelas que, como espectadores, aí tomam parte. O jogonão é mais, aqui, um mero representar-se de um movimento ordenado, nem mesmo o mero representar, no qual se revela a criança que brinca, mas é, “representando para…” Essa indicação, própria a todo representar, também será resgatada aqui, tornando-se constitutiva para o ser da arte.

Os jogos, em geral, de acordo com a sua natureza, por mais que sejam representações, e por mais que neles os jogadores se representem, não são representados para alguém, ou seja, mesmo quando representam. E nem mesmo aqueles jogos como os esportivos, que são jogados diante de espectadores, têm em mente a estes. De fato, ficam ameaçados de perder seu peculiar caráter lúdico como competição, justamente ao se transformarem numa competição de espetáculo. Justamente algo assim é a procissão, que é uma parte da atividade cúltica e é mais do que um espetáculo, porque, de acordo com seu sentido próprio, abrange toda a comunidade de um culto. E, não obstante, o ato cúltico é uma verdadeira representação para a comunidade, e, da mesma forma, o espetáculo teatral é um processo lúdico que, por sua natureza, exige a presença do espectador. A representação de Deus no culto, a representação do mito no jogo são, portanto, jogos, apenas no sentido de que os jogadores participantes, por assim dizer, revelam-se no jogo representativo, encontrando nisso, intensificada, sua auto-representação elevada, mas ultrapassando-se, saem de si para adentrar no fato de que os atores representam uma totalidade de sentidos para o espectador. Portanto, não se trata absolutamente da ausência de uma quarta parede que modificaria o jogo em um espetáculo. Antes, o fato de estar aberto para o espectador também perfaz a inteireza da representação (Spiel). O espectador apenas consuma o que a representação (Spiel) é [115] como tal.

Esse é o ponto em que a determinação do jogo se mostra, com toda a sua importância, como um processo medial. Já vimos que o jogo não tem o seu ser na consciência ou no comportamento do jogador, mas atrai este à sua esfera e preenche-o com o seu espírito. O jogador experimenta o jogo como uma realidade que o sobrepuja. Isso vale, com mais propriedade ainda, onde o jogo é propriamente “entendido” como sendo uma tal realidade — e tal é o caso quando o jogo aparece como representação para o espectador.

Mesmo o espetáculo continua sendo jogo, isto é, tem a estrutura do jogo, estrutura de ser um mundo fechado em si mesmo. Mas o espetáculo cúltico ou profano, por mais que seja um mundo fechado em si, que o representa, é como que aberto para o lado do espectador. Somente nele é que ganha o seu inteiro significado. Como em todo jogo, os atores representam seus papéis, e assim o jogo torna-se representação, mas o próprio jogo é o conjunto de atores (Spielern) e espectadores. De fato, experimenta de modo mais próprio, aquele, e representa-se do modo como é “intensionado”, àquele que não participa no jogo mas assiste. Neles, o jogo (representação) é alçado igualmente à sua idealidade.

Isso significa, para os jogadores, que não irão simplesmente preencher seus papéis como em todo e qualquer jogo (representação) — antes representam seus papéis diante de outros, eles os representam para o espectador. Sua forma de participação no jogo não é mais, nesse caso, determinada pelo fato de que são absorvidos totalmente nele, mas pelo fato de que joga (representa) seu papel em relação a, e tendo em vista o conjunto do espetáculo, em que quem deve ser absorvido não são eles, mas o espectador. É uma mudança total, que acontece ao jogo como jogo, quando se torna espetáculo. Isso coloca o espectador no lugar do jogador (ator). É ele — e não o jogador (ator) — para quem e em quem se joga (representa) o jogo (espetáculo). Naturalmente, isso não quer dizer que também o jogador (ator) não poderá vir a experimentar o sentido do todo em que ele, representando, desempenha seu papel. O espectador tem somente uma primazia metódica: pelo fato de o jogo ser realizado para ele, torna-se visível que possui em si um conteúdo de sentido, que deve ser entendido e que, por isso, é separável do comportamento do jogador (ator). No fundo, aqui se anula a diferença entre jogador (ator) e espectador. A exigência de se ter em mente o jogo mesmo, no seu conteúdo de sentido, é igual para ambos.

Isso é imprescindível mesmo onde a comunidade dos jogadores (atores) se fecha contra todos os espectadores, por exemplo, por combaterem a institucionalização social da vida artística, como na chamada música caseira, que quer ser um musicar num sentido mais próprio, porque esta é feita para os próprios músicos e não para o público. Quem faz música dessa maneira esforça-se, na verdade, para que a música “saia” bem, [116] isto significa porém: para alguém que — ouvi-la-ia, se realmente estivesse lá. A representação da arte, de acordo com a sua natureza, é de tal maneira que é para alguém, mesmo quando não há ninguém que sequer a ouça ou assista. [GadamerVM:2.1.1]