eterno

Em nosso contexto, não faz muita diferença se foi o próprio Sócrates ou se foi Platão quem descobriu o eterno como o verdadeiro centro do pensamento estritamente metafísico. Depõe muito a favor de Sócrates o fato de que só ele, entre todos os grandes pensadoressingular nesse aspecto como em muitos outros –, jamais tenha se importado em dar forma escrita a seus pensamentos; pois é óbvio que, não importa o quanto um pensador possa estar preocupado com a eternidade, no instante em que se põe a escrever os seus pensamentos ele deixa de estar fundamentalmente preocupado com a eternidade e volta a sua atenção para a tarefa de legar algum vestígio deles. Ele ingressou na vita activa e escolheu sua forma de permanência e de imortalidade potencial. Uma coisa é certa: é somente em Platão que a preocupação com o eterno e a vida do filósofo são vistas como inerentemente contraditórias e em conflito com a luta pela imortalidade, que é o modo de vida do cidadão, o bios politikos.

A experiência que o filósofo tem do eterno – experiência que, para Platão, era arrheton (“indizível”) e, para Aristóteles, aneu logou (“sem palavras”), e que, mais tarde, foi conceitualizada no paradoxal nunc stans (“aquilo que é agora”) – só pode ocorrer fora do domínio dos assuntos humanos e fora da pluralidade dos homens. Sabemos disso desde a parábola da Caverna, na República de Platão, na qual o filósofo, tendo se libertado dos grilhões que o prendiam aos seus semelhantes, deixa a caverna em perfeita “singularidade” por assim dizer, nem acompanhado, nem seguido de outros. Politicamente falando, se morrer é o mesmo que “deixar de estar entre os homens” a experiência do eterno é uma espécie de morte, e a única coisa que a separa da morte real é que ela não é definitiva, porque nenhuma criatura viva pode suportá-la durante muito tempo. E é isso precisamente que separa a vita contemplativa da vita activa no pensamento medieval. [“In vita activa fixi permanere possumus; in contemplativa autem intenta mente manere nullo modo valemus” (Tomás de Aquino, Suma teológica, ii. 2. 181. 4).] No entanto, é decisivo que a experiência do eterno, diferentemente da experiência do imortal, não corresponda a qualquer atividade nem possa ser convertida em nenhuma delas, visto que mesmo a atividade do pensamento, que ocorre no interior de uma pessoa por meio de palavras, é obviamente não apenas inadequada para propiciar tal experiência, mas a interromperia e a arruinaria.

A theoria, ou “contemplação” é a designação dada à experiência do eterno, em contraposição a todas as outras atitudes que, no máximo, podem ter a ver com a imortalidade. Talvez a descoberta do eterno pelos filósofos tenha sido favorecida pelo fato de que eles, muito justificadamente, duvidavam das possibilidades da pólis no tocante à imortalidade ou mesmo à permanência; e talvez o choque de tal descoberta tenha sido tão atordoante que eles não puderam deixar de considerar como vaidade ou vanglória qualquer busca de imortalidade, o que certamente os colocava em franca oposição à antiga cidadeEstado e à religião que a inspirava. Contudo, a vitória derradeira da preocupação com a eternidade sobre todos os tipos de aspiração à imortalidade não se deveu ao pensamento filosófico. A queda do Império Romano demonstrou claramente que nenhuma obra de mãos mortais pode ser imortal, e foi acompanhada pela promoção do evangelho cristão, que pregava uma vida individual eterna, à posição de religião exclusiva da humanidade ocidental. Juntas, ambas tornavam fútil e desnecessária qualquer busca de imortalidade terrena; e conseguiram tão bem transformar a vita activa e o bios politikos em servos da contemplação que nem mesmo a ascendência do secular na era moderna e a concomitante inversão da hierarquia tradicional entre ação e contemplação foram suficientes para resgatar do oblívio a procura da imortalidade que, originalmente, fora a fonte e o centro da vita activa. [ArendtCH]