mistérios

mysteria. VIDE mistério [mysterion]

Mystérion, ou, melhor, mystéria — só o plural é testemunhado pelos documentos mais antigos [Cf. K. Kerényi, «Mysterien der Kabiren», I, «Der Sinn der Bezeichnung ‘Mysteria’», in Eranos Jahrbuch, xi, 1944, p. 11, e O. Kern, s. v. «Mysterien», na RE.] —, designa um gênero de festividades religiosas que se distinguem de todas as outras pelo mandamento do segredo. O próprio nome já denuncia esta característica diferencial: myeîn, «iniciar», ou myeisthai, «ser iniciado», tem por raiz mu- (cf. lat. mutus), que significa «fechar». Portanto, a significação de «iniciado», que, etimologicamente, poderíamos traduzir por «o que mantém os lábios cerrados», deve ter constituído durante muito tempo um dos mais poderosos motivos para crer que a iniciação nos mistérios consistia em transmitir e explicar oralmente uma doutrina oculta, algo indizível e inefável acerca do ser divino e do destino do homem e do kosmos. A força de semelhante interpretação talvez revigorasse e se impusesse finalmente sob a influência de um conceito — se ele é falso ou verdadeiro, nem tanto importa discutir, nesta oportunidade — do mistério cristão: os desígnios de Deus, ao encarnar no Homem, tanto excedem as possibilidades do entendimento humano, que a Encarnação será sempre para nós um mistério, isto é, indizível e inefável, porque incompreensível dom do Amor divino. Mas, contra tal significado do mistério pagão, já Aristóteles nos adverte por estas inequívocas palavras: «os iniciados não são submetidos a qualquer ensinamento, mas a uma experiência, mediante a qual adquirem certa disposição de ânimo, provisto que de tal sejam capazes» [Arist., frag. 15 (Rose), p. 84 da ed. de Ross.]. [DE SOUSA, Eudoro. Dioniso em Creta e Outros Ensaios. Lisboa: INCM, 2004, p. 111]


Aparentemente, os Mistérios Eleusinos proporcionavam uma experiência comum e quase pública de todo esse domínio [privativo do lar], que, dada a sua própria natureza, e embora fosse comum a todos, precisava ser escondida, mantida em segredo para o domínio público: todos podiam participar dos mistérios, mas a ninguém era lícito falar deles. Os mistérios tinham a ver com o indizível, e qualquer experiência que não pudesse ser expressa em palavras era apolítica e talvez antipolítica por definição (cf. Karl Kerenyi, Die Geburt der Helena (1943-45), p. 48 ss.). Tinham a ver com o segredo do nascimento e da morte, como parece prová-lo um fragmento de Píndaro: oide men biou teleutan, oiden de diosdoton archan (fragm. 137a), em que supostamente o iniciado conhecia “o fim da vida e o começo dado por Zeus”. [ArendtCH, 8, Nota]